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  Tuesday, December 31, 2002  

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Em 2.003, a nova corrida pela felicidade

Da terra de Guga no litoral catarinense, escrevo minhas últimas linhas do ano. Queimo sob o sol brasileiro, enganado pelo vento frio de Florianópolis que sugere clima ameno. Não é. Sob a carapuça de brisa fresca, o verão não perdoa e castiga sem titubear moradores de outras latitudes.

Enquanto me protejo como posso, vou me enveredando pelas páginas de Felicidade, livro do economista-escritor Eduardo Giannetti. O livro é um ensaio filosófico sob forma de ficção, em que 4 amigos resolvem se encontrar para discutir filosofia e escolhem o tema felicidade como objeto do debate.

Gianneti é um economista quase atípico: escreve bem, é cultíssimo e extremamente inteligente, sofisticado o suficiente para evitar que o livro sequer resvale as fronteiras de um manual de auto-ajuda, como o título possa sugerir.

Sugestionado pelas palavras do autor e pelo desfilar de gente semi-nua pelas praias da região em busca da dupla de ataque endorfina-dopamina, reflito, em clima de fim-de-ano, sobre o tema em pauta. Olho ao meu redor e vejo centenas de pessoas se desdobrando como podem por um pedaço da areia catarinense. Mas não é apenas um lugar ao sol que os atrai. Há sede de prazer que vai além da descarga de melanina. Outras enzimas e hormônios estão em jogo e a busca aqui é do mais elementar prazer imediato. Mas seja ele travestido em forma de coxas roliças, cerveja gelada ou repetidos gols na voz do Galvão, são todos prazeres passageiros, que deixam um rápido rastro na memória mas não contam pontos na corrida em busca da felicidade. É um estar feliz. O ser feliz é outra coisa e não foi convidado prá festa de fim-de-ano.

E de que servem então, tais prazeres? São um fim em si mesmo, diriam alguns. E ponto final. Mas se a busca é o ser feliz, a história muda. Nesse caso, de pouco servem se não forem repetidos e renovados, numa colagem de instantes em busca de uma película perfeita. E ainda assim o resultado é duvidoso. É uma escravização aos nossos desejos, numa espiral sem limite. Um chopp seguido do outro e o final esquecimento da emoção do primeiro gole. O estar feliz girando em falso no enorme buraco do ser infeliz.

Giannetti ajuda e esclarece, explicando com erudição, que toda nossa civilização moderna passou, a partir de um certo patamar de renda, a apenas atingir o estar feliz, pelo alcance facilitado e repetitivo dos prazeres imediatos de consumo. Substitua-os pelos prazeres mundanos e a fórmula continua a mesma. Ou seja, a história do chopp permanece e, a partir de um certo padrão de renda, não há correlação no aumento da felicidade, do ser feliz, ainda que a máquina de prazer aumente sua velocidade com a repetição de rodadas na mesa. Há aí um ponto de inflexão, em que a felicidade não é mais medida em termos de prazer quantitativo e passa a ser subjetiva. O risco é que, em vez de nos contentarmos com as nossas conquistas, entramos na armadilha da comparação angustiada com a grama mais verde do vizinho, nos chamados bens posicionados.

Mas o que fazer? Como administrar nossos desejos sem que entremos em escravidão sem fim de nossos impulsos? O livro apresenta a pergunta resposta:

“Todo sofrimento humano, não importa qual seja, resulta de uma incongruência entre a nossa vontade e desejos, de um lado, e o curso dos acontecimentos que nos afetam, de outro. (...) Há dois modos básicos de reduzir ou anular essa incongruência. Um deles é adaptando e moldando nossos desejos ao curso dos acontecimentos; e o outro é transformando as circunstâncias com que nos deparamos de modo a que atendam aos nossos desejos.”

Entre a vida estóica do pescador inconscientemente resignado e a pletora hedonística do turista de passagem há uma variação de gradações à disposição de todos nós.

Em 2.003 mais uma vez os dados estão lançados. Façam, de novo, suas apostas. Há chances de que desta vez você acerte.

A todos, um Feliz Ano Novo!

posted by The guy behind a screen @ 9:19 AM |

  Tuesday, December 24, 2002  

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Pastis: vai de steak tartare ou sopa de cebola?

West Village, Meat-Pack District e Chelsea

O West Village talvez seja a zona mais descolada de Nova York. Intelectuais, artistas, contestadores de toda sorte beberam e cometeram todos os pecadillos humanos no bairro. É também, junto com o Chelsea, palco da cena gay de Manhattan. O que significa dizer que os bares são divertidos, as lojas transadas, os restaurantes charmosos. Não se esqueçam que antes de virar sinônimo de viadagem, “gay” significava simplesmente “alegre”. O velho sentido ainda vale.

Ande a esmo no Village, balizado pela 6a e 7a Avenida, além da Hudson Street. Vez ou outra, seguindo o seu feeling, se enverede pelas ruas que cortam a 6a e 7a avenidas. Vá subindo o Village pela 7a a partir da Houston Street e continue vasculhando a região até se cansar na 13a Street. Procure o chão de paralelepípedo e o cheiro de mercado de carne. Você está no Meat-Pack District e logo na esquina encontrará o Pastis, que é o primo descolado do Balthazar do Soho. Os dois restaurantes são do mesmo dono, mas o Pastis serve até as 3 da manhã e é coalhado de gente bacana. Há uma sopa de cebola divina pra madrugada de inverno. Mas você pode começar com um Steak Tartare. E o preço, apesar de não ser muito barato, é justo para os padrões de Manhattan.

A alternativa barata, mas campeã em qualidade, é o Córner Bistrô. Não se engane, o bistrô aqui é só parte do nome. O lugar é um pub irlandês que tem o melhor hambúrguer de Nova York. Pra se sentir bem em casa, peça o bistrô burguer acompanhado de uma Guiness. Por razões que até hoje desconheço, a Guiness não é a tradicional de pressão. Antes de completar o pedido, o barman avisará que ele só tem de lata, pedindo sua aprovação. Ele sabe o pecado que é não servir a Guiness em formato chopp (draft). Resigne-se, ainda assim vale a pena.

Já que está na região, dê uma esticada no APT. É lugar pra dançar. Toca muito hip-hop, o que não é minha praia, mas a galera (quase todos negros), é de uma simpatia que vale a visita. Periga encontrar Spike Lee ou sua turma de atores. Não cobram entrada, mas tem que fazer reserva. Ligue antes.

Se continuar subindo, lá pela 23a Street você estará no Chelsea. É o paraíso das galerias de arte que foram expulsas do Soho. A dica aqui é estar com a revista New Yorker debaixo do braço. Ela te indicará qual a melhor visita da semana. A boa pedida em restaurante é o May Ran. É pra ver e ser visto, mas a comida é boa.


Midtown, Upper West e Upper East Side

Quanto mais se vai ao norte, mais a Manhattan clássico dos filmes toma forma. Não exagere na subida senão vai parar no Harlen, e os filmes mudam de roteiro. Não há muito o que fazer em Midtown, a não ser que tenha um restaurante específico ou queira passear na Madison ou 5a avenida pra fazer compras. Se nunca passou pela região, suba, a partir da 41 Street, pela 5a avenida até trombar com o Central Park. Logo ali, entre a 41 e a 42 vai se deparar com a New York Public Library. Dois leões de bronze protegem a entrada. Não se intimide. Entre e dê uma olhada na sala de leituras. Vai ter vontade de chorar ao lembrar das bibliotecas públicas brasileiras. Continue pela 5a avenida, marchando forte em direção norte. Abuse no passeio pelas vitrines. É só o que há pra fazer até a rua 59 onde, ao seu lado esquerdo, o Plaza Hotel serve de bastião de entrada do Central Park. Se estiver cansado e a fim de gastar, atravesse a rua em diagonal e entre no Cipriani. Não coma a massa que enrola sua carteira. Vá direto pro bar e peça um bellini, um dos melhores drinks da terra (champagne com suco de pêssego). Mas vai o aviso, é bom não se entusiasmar, cada copinho custo 16 dólares, mais a gorjetinha dos garçons-modelos italianos.

Depois de torrar seus dólares no Cipriani, há duas alternativas: encarar a avenida de museus à frente ou entrar firme e forte no Central Park. O problema do Central Park é que é muito grande. Então, sem bicicleta é difícil. Se estiver no ânimo romântico, trapaceie e use as carroças, há dezenas te esperando. Se optar pelos museus, vai ter que usar o metrô ou táxi e rumar norte. Há três museus pertinhos: Metropolitan, Whitney, Gugghein e Frick Colection. Se estiver com tempo, visite a ala dos impressionistas no Metropolitam, Edward Hope no Whitney e toda a coleção do Frick. Dispense o Guggenheim. Se o tempo é curto, esqueça de tudo e vá pro Frick Colection. De longe, o mais chique e o menos cansativo.

Sentiu fome na região, vá para o Bilboquet. Bistrô simpático que dá um bom resumo de quem vive no Upper East Side. É o americano bem de vida clássico. O cansaço bateu forte, então pegue um táxi e desça pela Madison (epa, será que a Madison sobe??). Passei os olhos pelas vitrines. É o que há de mais clássico e tradicional em Manhattan. Salte na Grand Central Station. Entre devagar, de olhos fechados. Abra pra ver a abóbada. A primeira vez que vê a Grand Central é inesquecível. Na lateral da estação visite o Campbell Apartment. Excelente local para happy hours, é um dos bares mais bonitas de nova York. Tem esse nome porque era um escritório do tal do Campbell. Pouca gente sequer sabe da existência. Confira.

Por fim, o programa turista obrigatório. Reserve um fim de tarde de céu claro e vá até o Empire States. Suba com todos os turistas japoneses. É uma das vistas do planeta. E depois, nunca se sabe até quando estará por lá...

Have fun!
P.S: mais dicas de N.Y, aqui.

posted by The guy behind a screen @ 11:41 PM |

  Monday, December 23, 2002  

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Vista numa madrugada de frio num telhado qualquer no Soho

A vida continua e um amigo meu pede dicas de Nova York. Ficará em meu apto. no East Village, enquanto derreto no verão brasileiro. Sendo assim, aí vai:

East Village

Você está no East Village, o que significa uma vida alternativa à Manhattan clássica dos filmes, aquela das chiques Madison e Park Avenue, lá em cima no East Side. Estar no East Village é, mal comparando, uma espécie de Vila Madalena em São Paulo. Menos pelas semelhanças físicas e mais pelo conceito alternativo. O East Village fica na baixo Manhattan, onde tudo começou, ou seja, na linha tropical abaixo da 14th Street. Seu irmão, em sentido oposto, o West Village, teve formação distinta. Foi palco da vanguarda intelectual novaiorquina, o que rima sempre com liberação sexual e, portanto, com os movimentos gays que dão fama à cidade. O East Village é mais macho. É palco de skatistas, enquanto o West Village é local de patinadores. Nunca entendi bem a relação. Talvez seja o movimento dos braços, mas isto não é uma unanimidade entre os observadores.

Embora o frio seja intenso nessa época do ano, vale passeios a pé. Comece pela Avenida B, fugindo dessa zona com cara de Cohab que é a 14th Street entre Av. B e C. A região que fica nas imediações entre avenidas A, B e C é um bairro dentro dos bairros. Chama-se “alphabet city”. Explicações são desnecessárias. Saindo da Avenida B, rume em direção sul e vá fuçando as lojinhas da região. Há muitos artistas, muitos designs e cacarecos de toda sorte. É o povo que foi expulso do Soho na década de 80, pressionados pela explosão imobiliária daquele bairro. Vieram todos pro East Village, que na década de 80, no auge da criminalidade novaiorquina, era palco de gangs de droga em filmes com Al Pacino. Como sempre, o milagre econômico mudou tudo. Agora é kitch. E o aluguel, que custava U$ 300 há 15 atrás, hoje custa U$ 1.300. Mas todo mundo quer morar lá.

Na rua 12 com a Avenida B há um bom e charmoso restaurante italiano. Chama-se ....esqueci, mas achará. É muito barato, mas tem concorrente melhor. Ande mais duas quadras e vire na Thompson Square. Quase na esquina, verá outro carcamano. Chama-se Gnoco. Uma das melhores massas de Manhattan. Há um tagliarini de trufas de dar sorrisos. E é barato, vale a visita. Antes, porém, pare pra tomar aperitivo no Rue B, um bar francês na também avenida B, próximo à rua 11. Muito charmoso. Toca jazz a semana inteira. Tem bons vinhos e serve cerveja gelada. Contradizendo uma tradição, o barman é muito atencioso e simpático. De quebra, há ambiente suficiente pra criar um clima romântico.

Não perca muito tempo da manhã seguinte no E. Village. Ande apenas pra se familiarizar com os piercings no nariz. Repare também nos queixos rotundos. A região é tradicional palco de migração do leste europeu. Há muitos judeus polacos, ucrânios, checos e, ultimamente, da Europa ocidental. Ou seja, ninguém vai achar estranhos seus hábitos sexuais ou seu gosto mais excêntrico. Aqui, o protestante puritano americano não tem vez.

Só mais uma dica antes de sairmos do bairro. Voltando bêbado pra casa e já sendo 4 da manhã, mande seu taxista na 2a avenida com a 9th Street. O lugar é o polonês Veselka, aberto 24 horas e servindo um maravilhoso goulash com acompanhamento de sopa de beterraba ou, se preferir, mande um strogonoff. Lembre-se que eles fazem essa comida há mais de cem anos. Não tem como errar.

Soho

Reserve os fins de semana para o bairro. O Soho, que é uma abreviação de “South of Houston” (ao sul da rua Houston – diz-se “ráuston” e não “riuston”, do contrário corre o risco de o motorista te levar pro aeroporto), é o must do que é transado e alternativo, mas que já virou mainstream em novaiorque. Mas continua bonito. Verá mulheres esguias de peles claras, com pernas infinitas e derrièrre em falta. Há maravilhas construções em pedra e aço, serpentinadas por escadas de incêndio de ferro. E tromba-se com artistas também, com horas de trabalhados cabelos despenteados. Mas todo mundo é bonito.

As opções de compras são infinitas e, se quiser gastar, vale mais a pena do que ir fazer compra na Madison ou 5a avenida. É mais divertido. As dicas são uma visita à nova loja da Prada, que mesmo os menos interessados ficam impressionados. Sanduíche no meio da tarde, a pedida é o Dean de Lucca ou então, um pouco mais à leste, com lugar pra sentar e vinho da casa, o Bread. Se chegar cedo, pare na porta anexa do Balthazar e experimente uma das tortas da casa. Comerá croissant melhor que em Paris. Use o Balthazar, o restaurante, para mais tarde. Continua servindo a boa comida e com os bons rostos de sempre. Um charme. Ande bastante pela região, tendo como limite a West Broadway e a Broadway, nos extremos west-east e Houston e Canal no norte-sul. Não se perderá. Ah, em frente ao Balthazar, dê uma passada na lojinha de design do MoMa. Vai querer levar tudo pra casa.

Outros restaurantes muito agradáveis são o franco-brasileiro Felix, na esquina da West Broadway com a Grant e o argentino Novecento. O nome, italiano, é apenas mais uma prova de que os argentinos são italianos que falam espanhol, e acreditam que são ingleses. O Felix fica uma loucura nos domingos à tarde. Verá gente bonita de baciada.

(continua amanhã)

posted by The guy behind a screen @ 9:28 PM |

   

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Ela

Ela tinha os olhos amendoados. Eram, na verdade, quase negros. Mas no perfeito combinar com sua pele cor de mel soavam assim, em cores de amêndoa. Tinha lábios em estilo nacional, no melhor de suas formas. Trazia um cabelo longo, cheio, vigoroso, que terminava no meio de suas costas macias. Chacoalhava-os vez ou outra, naturalmente, no balanço de seu andar de menina. Seu rosto tinha traços doces, suaves, mas sabia lançar olhar de mulher. Sua pele de veludo era de um cheiro bom, daqueles que se lembra sem esforço com os olhos semicerrados.

Lembro-me sem piscar da noite em que a conheci. Estava linda e exalava pureza. Não a pureza ingênua que desconhece o mal e está à mercê da proteção divina. Era pureza de outro tipo, daquelas de estatura moral. E ela realmente era de uma estrutura moral integral. Mas não caia na vida simples do moralismo de ocasião. Também não entrava no jogo fácil e tentador do preto no branco, do maniqueísmo de plantão. Procurava sempre deixar o exercício natural das personalidades exercer seu balé de diversidade, sem emitir juízos de valores. Mas lutava por seus valores com um afinco de leoa.

Cativava a todos sem fazer força. Era querida e bem vinda. Distribuía sorrisos sinceros, mas nem por isso esperava ou exigia retribuição. Era uma alma nobre, sem precisar de título.

Não ligava pra política, mas tinha jogo de cintura como poucos. Se quisesse, poderia ter facilitado sua vida praticando o uso em voz alta de seu sobrenome. Não lera Gilberto Freyre, mas sabia que o abuso dessa prática é um dos maiores pecados nacionais. Recusava-se a isso.

Não exigia dos outros perfeição, nem tampouco pedia bens materiais. Era daqueles indivíduos que encontram muito mais prazer ao presentear do que ser presenteado. Mas tinha algumas exigências: pedia respeito e implorava sinceridade. E precisava de carinho.

Ela, não desapareceu. Continua por aí, distribuindo por onde passa seu sorriso adolescente de sempre. O que se foi, esta sim, é a oportunidade. Esta passou ao meu lado, sem que eu soubesse aproveitar.

Agora é tarde.

posted by The guy behind a screen @ 12:46 AM |

  Saturday, December 14, 2002  

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E lá se foram 10 anos...

O ano era de 92. Era uma madrugada quente de dezembro. Dia 13, um sábado. Tínhamos esperado aquela noite por vários meses, desde julho do mesmo ano, quando então tivéramos certeza que o encontro com o 13 de dezembro estava selado. Nos últimos dias que antecederam aquela noite de verão, a ansiedade era, porém, incontrolável. Como o menino apaixonado que é trocado por outro amor, não conseguíamos pensar em outra coisa senão num único tema, obsessivamente.

A assustadora madrugada tinha então chegado. Nas horas que precediam o início da partida, minhas mãos suavam frio e meu semblante era fechado. Vez ou outra olhava para o meu pai, sem que ele me visse, e me perguntava: “Meu Deus, e se a gente perder? Como será que ele vai reagir? Que tragédia será essa noite na nossa vida de pai e filho!”. Ele, sempre protetor, disfarçava sua tensão e transmitia confiança em seu olhar sorridente. Talvez pensasse o mesmo que eu, mas mantinha a compostura. Vez ou outra me dava carinhosos tapas nas costas e dizia: “Vamos ganhar meu filho”.

Sete horas da manhã do dia 14. O calvário havia acabado. Caminhava relaxadamente prá casa e via os primeiros raios do dia. Meus pés estavam amortecidos, meu corpo anestesiado, mas podia ouvir e sentir cada som e cheiro ao meu redor. Nunca mais minha cidade natal me pareceu tão bonita como naquele início de manhã. Paramos, eu e meu pai, ao lado do rio da cidade. Ficamos alí, por alguns instantes, sem dizer nada. Ouvimos o som que se produz nessas horas. Era um som de paz. Não tínhamos pressa. Na verdade nem queríamos dormir. Cinco horas antes e tudo era diferente.

Passava já dos 30 minutos do segundo tempo. A madrugada já ia longe e o jogo já estava em seus momentos decisivos. Podia sentir meu rosto sisudo. A noite tinha começado cedo, mas parecia já há dias no passado. Quando a tarde de sábado começou a anunciar sua retirada, minha família foi gradativamente entrando em polvorosa. Minha mãe foi preparando o cerimonial das decisões, tão comum naqueles anos, o que significava uma longa e nababesca refeição. Mas esse dia era diferente. Quase não pude tocar na comida. Munido de toda tecnologia disponível na época, não queria perder um lance sequer dos bastidores daquela noite.

Pois os 30 minutos corriam soltos e a cada afunilada no tempo o pavor aumentava. O jogo já ia entrando em seus dez minutos finais e o placar era 1 x 1. Tentava o que podia: na minha mão esquerda tinha um copo de whisky, que era mantido em nível constante por curtos e repetidos goles, seguidos de novas e intermitentes rodadas. Na mão direita, mesmo sem ser fumante, ia, entre uma bola prá lateral e outra, dando tremidas tragadas. O gelo derretia rápido e a cada tiro de meta, frequentava o banheiro. Suspirava e pensava em tudo.

Uma hora atrás o cenário era pior. Aos 15 minutos do primeiro tempo, o time de Stoicovitch fazia 1 x 0 num golaço do atacante iuguslavo. Alguns rojões corinthianos se ouviram na madrugada Piracicabana. Depois houve um silêncio. Alguns minutos de um longo silêncio.

Antes de entrarmos nos dez minutos mais longos que já passei na vida, tínhamos conseguido um gol de empate. Ainda no primeiro tempo, uma jogada mostruosa de Miller pela lateral esquerda, em típico estilo brasileiro, terminara em um gol de “barriga” de Raí. Mas isso, faltando 15 minutos pro final da partida, já era história.

Então algo ocorreu.

O São Paulo consegue uma falta na entrada da área. Olhei pro relógio, eram 34 minutos. Pensei comigo, “meu Deus, agora é a hora”. Luciano do Valle pensou o mesmo e soltou no vídeo: “é uma hora certa prá sair um golzinho”. A barreira foi se colocando. Eu olhava prá tela e ouvia, sem que me incomodasse, o repetido barulho do ventilador de teto sob minha cabeça. Fazia um calor terrível aquela noite, mas nunca cheguei a saber até que ponto o calor era real. Enquanto a barreira era formada, Cafú se aproximou de Raí, disse algo prá ele, mas Raí nem bocejou. Olhando em direção ao gol, soltou uma palavra antes de correr prá bola. Não sei o que disse mas acho que deve ter cobrado alguma dívida com Deus naquela hora. A um passo da bola, deu um toque de meio metro prá sua direita, com a parte externa do pé. Cafú se encarregou de escorar a bola pro chute final de Raí. O movimento, curto, de Rái prá Cafú, foi o suficiente prá que Zubizarreta desse um discreto passo prá sua esquerda. Preso pela lei da física, já não havia mais tempo de voltar. A bola foi para o outro lado, com uma precisão divina e se encaixou no ângulo superior direito do goleiro espanhol que, estático, só teve tempo de acompanhar pelos olhos. Era o gol do título.

Daquele momento até o apito final não sei o que se passou e nem saberia descrever aqui. Disse certa vez um autor que “deixar de ter algo não é um problema; o difícil é quando perdemos o que mais estimamos”. Pois aquele gol de Raí nos trouxe o título tão perto, que a idéia de perdê-lo era assustadora. Quando o relógio entrou na marca dos quarenta, fiz todas as preces com o resto de respiração que me sobrara, prometi não cometer mais nenhum dos pecadillos que cometera. E torci. Torci muito.

Quando, então, finalmente, o juiz apitou o fim do jogo, desabei em lágrimas e em abraços nos ombros do meu pai.

Aquele título de campeão do mundo coroou não só um time de futebol. Numa época em que a sacanagem reinava pelo país, um grupo de desportistas e empresários mostrou que era possível, com amor e trabalho, atingir a perfeição. Suas consequências foram ainda maiores. Trouxe, num momento em que o futebol brasileiro andava tão em baixa, a emoção de um título mundial, que já se empoeirava nas prateleiras do futebol nacional. Deu esperança ao país. De sobra, fez justíça à vítima de um acaso histórico. Redimiu Telê Santana.

Naquela noite de 13 de dezembro de 1.992 saí pela madrugada piracicabana ao lado do meu querido pai. Talvez tenha sido o momento mais feliz que passamos juntos. Seguramente foi o mais emocionante. Talvez também tenha sido, aquela noite, a última vez que andei abertamente pela minha cidade natal sem me sentir um alienígina. Levarei essas lembranças prá sempre.

Foi há dez anos atrás.

posted by The guy behind a screen @ 10:32 PM |

  Friday, December 13, 2002  

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O Freddy Bilyk captou o espírito. Explica direitinho o "ministério do sono petista", em excelente texto.

posted by The guy behind a screen @ 8:43 AM |

  Tuesday, December 10, 2002  

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Um passe de Mestre

A cena é famosa.

Eram passados 41 minutos do segundo tempo. Pelé mal olha pro lado. A câmera fecha o foco em Pelé com a bola. De repente, abre-se o ângulo e Pelé faz um passe quase displicente prá lateral direita. No canto superior do vídeo, Carlos Alberto Torres, sabe-se lá da onde, surge como um foguete humano e fuzila um torpedo contra o gol de Albertosi. Era a supremacia absoluta, a conquista definitiva. Na tarde ensolarada de Guadalajara, o Brasil era tricampeão do mundo.

Passados 32 anos, o que chama atenção é outra cena. Enquanto, atônitos, assistíamos Carlos Alberto Torres implodir a esquadra azzurra, deixávamos de lado os passos de Pelé no canto inferior do vídeo. Vale a pena olhar cem vezes. Pelé toca a bola e não se coloca em posição de combate. Simplesmente sai andando distraidamente, quase com desleixo, como quem já soubesse do resultado. Parece que está indo pro vestiário. Uma cena memorável e eternizada. Difícil ver outra igual.

1 de janeiro de 2.003. Fernando Henrique irá passar a faixa para o novo presidente. Um momento histórico na vida republicana do país. Oito anos de uma era se acabam. Oito anos de conquistas. Há motivos de sobra prá serem comemorados.

Passada a euforia pela vitória de Lula, vale a pena olharmos pro canto inferior do vídeo da cena política brasileira.

Fernando Henrique foi o maior de nossos presidentes. Não foi só, como querem seus críticos, um mero apaziguador de ânimos em nosso excitamento tropical. Fernando Henrique restabeleceu a dignidade de nossa política. FHC alimentou, protegeu, incentivou nossas adolescentes instituições. Foi um entusiasta de nossos hábitos civilizatórios. Não só corrigiu nossa gramática política. Deu-lhe status de obra publicável.

Chamou prá si responsabilidades. Costurou alianças sem perder a governabilidade. Foi condescendente e democrata, sem cair na pusilanimidade. Errou também, mas admitiu seus erros.

Respondeu às críticas com seriedade, sem ignorá-las. Quantos de nós não se lembram da desfaçatez da era Collor, na qual este, pego na cama cometendo o adultério contra a nação, perguntava o que estava acontecendo? Ou do pusilânime Sarney, que em nome da democracia, largou o governo ao deus-dará? Ou ainda da tacanhice de Itamar, que governava o país como se fora uma ação de bairro entre amigos? Todos maus exemplos, dirão alguns, não dignos de comparação. Mas o que era nossa cena política senão um catálogo de tais espécies? Pois este o grande mérito de Fernando Henrique: após sua era, estabeleceu-se um novo patamar de exigibilidade.

Fernando Henrique não só mostrou ao mundo seus talentos linguísticos, sua cultura de doutor, sua capacidade de avaliar os fatos políticos com olhar crítico e professoral. FHC fez muito mais do que isso. Fernando Henrique deu a credibilidade às nossas instituições sem a qual a legitimidade de Lula nada valeria.

Há quase dois anos venho acompanhando diariamente os periódicos aqui no exterior. O Brasil tem aparecido constantemente. A discussão é geralmente econômica, e no mais das vezes sobre suas possíveis e iminentes mazelas. Há, contudo, temáticas mais diversas e o país é objeto de curiosidade sincera. Não se fala porém, sobre escândalos de corrupção, diz-que-disses políticos, cafonices diplomáticas, miséria desembestada. O Brasil hoje, é visto como um país em dificuldades, mas somos agora vistos como um país sério, com uma agenda em curso.

Fernando Henrique Cardoso permitiu tudo isso. Sem ele estariámos ainda no risível estado de nação moribunda, governada por folclóricas e caricatas figuras, aventureiros de toda sorte de plantão.

Assim como aquele time de 70 elevou o status do futebol, FHC criou um novo paradigma em nossa política. E assim como o passe memorável de Pelé em 70, FHC soube entender sua importância de assistente, criando a transição de governo mais afinada que se tem notícia em toda a história contemporânea.

Resta a Lula apenas agradecer o toque e fuzilar de vez todos nossos fantasmas. A bola está agora com ele. É esperar. E torcer.

posted by The guy behind a screen @ 7:13 PM |

  Friday, December 06, 2002  

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Route 91, na caça à neve

Bretton Woods e a Paz Branca

Finalmente ela veio. Na manhã fria de quinta-feira, durante 8 horas a neve caiu forte sobre Manhattan, castigando a cidade e deixando um rastro branco de silêncio. Por algumas horas é como se alguém lá em cima pedisse trégua à algazarra urbana. A neve cobriu as ruas e calçadas, escondendo os ruídos emitidos pelos passos apressados e taxistas enfurecidos. O silêncio se instalou e a paz branca reinou por 24 horas na matriz.

Nova York não é uma cidade de muita neve e, embora ela marque presença anualmente, mantém a distância e ocasionalidade necessária prá ser festejada a cada passagem. É como time grande indo jogar no interior. Cada vez que aparece é festa na cidade.

Meu deslumbramento só não foi maior porque na semana passada não resolvi esperar o capricho do tempo e rumei ao norte em busca da neve perdida. Antes, porém, preparei calorias de proteção na neutralidade do perú do thanksgiving, o Natal americano.

O perú talvez tenha sido escolhido propositalmente como a comida do armistício e representa o território gastronômico da união familiar, assim como a Suiça é palco da neutralidade entre as nações. Nada melhor, portanto, do que pôr fim entre as brigas de Jack and Charles, Sabrina and Janine, John pai and John Jr., chamando todos para uma refeição onde há um acordo tácito sobre o insosso perú, sem o risco criado por desavenças de sabores e temperos. O ambiente tem que ser neutro e os personagens devem estar desarmados. O perú, portanto, é o prato-árbitro perfeito.

Devidamente alimentado e já no espírito de contemporização “thanksgiviana”, saí à caça da neve escondida e fui parar, quase sem querer, em outro cenário de acertos e comedimentos entre as partes: Bretton Woods. Pois é, nas aulas de história Bretton Woods era o nome do grande tratado, que criou o satã petista em 1.944, o FMI. Para minha surpresa e ignorância, porém, Bretton Woods é de carne e osso, montanha e neve. E presta-se a maiores charmes. Um resort de esqui quase na fronteira do Canadá, que exigiu 9 horas da Route 91.

Mas não há cansaço na viagem. O caminho até lá é marcado por cenário natalino. Coníferas crispadas de neve em estradas sinuosas num sobe e desce de platôs vão te lembrando a quantas anda distante de Manhattan. Camadas densas de neblina vão anunciando a proximidade da montanha. Bem diferente da urbanidade novaiorquina e do canavial piracicabano.

Depois de quedas e mais quedas pelas montanhas escorregadias de Bretton Woods voltamos à cidade. Uma semana depois, novo encontro com a neve. Sem esquis agora. Aproveito a calada da noite e passeio na madrugada, em pleno meio de semana, pelo Central Park todo branco.

Tudo claro, sempre muito bem acompanhado...

posted by The guy behind a screen @ 1:09 PM |

  Tuesday, December 03, 2002  

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Caro leitor,

Arregalado de espanto e tomado de rubor, fui avisado pelo 168 horas que este blog aqui está entre os cinco finalistas de ibestBlog. Já que com a ajuda de muitos de vocês cheguei a semifinal, tenho a obrigação, assim como o time do Santos, de papar este título e não morrer na praia. Então, quem puder, vote aqui. Se ganhar, prometo festa comemorativa...
P.S: com cachaça

posted by The guy behind a screen @ 6:10 PM |

  Monday, December 02, 2002  

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Popper e o Perú da Esperança

“Forecasting is very dangerous, especially about the future” – Samuel Goldwyn

Karl Popper, o filósofo, costumava dizer que o marxismo não era ciência pois não admitia ser falseado. Em miúdos, o marxismo predizia o que ocorreria mas, se não ocorresse, também explicava porque não ocorreu. Em suma, uma filosofia totalitária.

As críticas de Popper ao marxismo cairiam muito bem em outra pretensa ciência: a previsão do tempo. Na terça-feira passada todos os canais de TV, os nacionais e locais, juravam de pés juntos que nevaria na madrugada novaiorquina. Seria a primeira neve do ano e se estenderia até a manhã seguinte quando, então, exaustos flocos de neve descansariam com mais de meio metro de altura no solo de Manhattan. Alguns canais, mais bolcheviques, arriscavam até a hora pro começo da festa: por volta da meia noite e meia. Passado duas da manhã sem nenhuma sequer bola na trave, resolvi dormir e acordei vendo a dura realidade da farsa: nenhum suspiro de neve.

A frustração de quarta-feira só seria compensada pelo peru do “Thanksgiving” de quinta, não sem antes aumentar o seu apetite compensatório. Na quarta à noite, depois de ter, por 24 horas, esperado inutilmente o Godot da neve, esperei o milagre da multiplicação, agora em forma de gols. Mas estes não vieram e o tricolor só conseguiu marcar unzinho no Santos, e ainda teve que sofrer com o vexame da derrota no último minuto. A neve não caiu em Manhattan. Mas a pá de cal despencou no Morumbi.

Mas como nem tudo é tragédia, a compensação veio a cavalo, ou melhor a peru. Meu chefe, “judeu agnóstico”, fez o simpático convite de passar a tarde de quinta dividindo a abundância americana com um “católico agnóstico” dos trópicos. Em seu “pre-war” apartamento na elegantérrima Park Avenue, taças e mais taças de vinhos foram apreciadas sempre em companhia do “turkey” americano.

Na tarde terrivelmente fria de quinta, a hospitalidade judeu-americana me deu esperança pro próximo campeonato. E a bonança novaiorquina me trouxe novas expectativas quanto à mesquinhez do tempo. Há chances, porém, de que tudo tenha sido somente um leve excitamento pelo exagero do vinho. Não ligo. Nesse tópico sou marxista: não importam os meios, o importante é que o resultado foi alcançado.

posted by The guy behind a screen @ 10:30 AM |

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