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  Wednesday, July 09, 2003  

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foto: Fernanda Suplicy

Good Bye...

Hoje, 4 de julho, é a última noite que passo em Nova York. É a última noite que durmo em Manhattan. É a última noitada de sexta-feira. É o último artigo do “Amarar em New York”. O ciclo Nova York, enfim, acabou.

Talvez tenham sido os melhores dois anos da minha vida. Engraçado dizer que os melhores anos de sua vida foram fora de seu próprio país. Mas é verdade. Não me sinto com isso negando minha brasilidade, muito menos isso é uma declaração implícita de desamor à minha terra. Continuo apaixonado tricolor e absoluto devoto das tardes nos botecos de São Paulo. Mas Nova York me proporcionou tudo que eu espero de uma vida urbana. E me acolheu plenamente.

Pois Nova York não pertence a ninguém. Pertence a todos nós. É a única cidade do mundo em que cada indivíduo que pra aqui vem logo logo se sente dono do lugar. Não daqueles donos que mandam e desmandam. Não senhor. A titularidade sobre a cidade é mais como um acionista da empresa. Por menor que seja sua quota, você se sente também um proprietário. Não acontece com nenhuma outra cidade. Por mais que você se sinta à vontade em Paris, Roma, no Rio ou em Buenos Aires, você é e sempre será um estrangeiro. Quando o habitante local perder todos os argumentos, vai baixar o nível e te negar a propriedade sobre a cidade, fazendo referências a sua origem. Você é um alienígena e não pertence àquele lugar. Paris é dos parisienses. Roma pertence àquele sujeito romano. O Rio é intestinalmente dos cariocas. Buenos Aires, então, é quase de outro planeta, habitada por seres argentinos. Não com Nova York.

Nova York é dos italianos, é dos judeus russos e poloneses, é dos irlandeses e também de todos os chineses. Mas é também dos brasileiros e dos colombianos. E, acreditem, até dos franceses é. Nova York também é dos americanos.

E tudo é espremido e condensado numa ilha. O limite, claro e definido, de onde a terra começa e acaba, faz com que a sensação de posse sobre o lugar seja ainda mais presente. Pois Nova York não é tentacular como São Paulo, onde não se vê no horizonte as suas margens. Aqui, tudo é mapeável e distinguível. E poucas são as esquinas onde não se possa caminhar. Nova York dá quase pra abraçar.

Há dois anos era um pouco diferente. Tinha lá aquelas duas torres que vi numa manhã cair. E o presenciar daquele momento me aproximou ainda mais da cidade. Pois a experiência humana só se completa quando, a despeito dos confetes e taças de champagne, é cavada na dor pela perda. Nova York foi violentada.

Vou lembrar de muita coisa. Não esquecerei dos sanduíches de pastrami da Katz´s, dos hamburguers do Corner Bistrô, das montanhas de neve por toda cidade numa tempestade inusitada. Vou lembrar das centenas de momentos capturados com a visão de extravagantes personagens. Do strip tease improvisado de uma moça num nightclub e o olhar quase blasé do público à sua volta. Ficarão na memória incontáveis passeios de bicicleta, o cheiro do Central Park e o barulho do vento nas tardes de outono. Sentirei falta dos capuccinos da Starbucks e de intermináveis leituras gratuitas em noites de inverno na Barnes & Noble. E sentirei falta dos amigos e de tantas Guiness bebidas juntos. São lugares comuns, é verdade. Mas são verdadeiramente intensos.

Guardarei pra sempre a lembrança do som de Gershin e Sinatra, que tinham charme adicional com a introdução da voz aveludada de Jonhattan Schwartz em seu programa de rádio. Como disse um amigo meu certa vez, “Ouvir Sinatra em Nova York é diferente”. Terei muita, terríveis saudades, das caminhadas a pé e da visão dos seus habitantes.

Mas não vou dizer adeus. Não existe a palavra adeus em inglês. Há somente bye e good bye, que não tem a seriedade e o compromisso do adeus. Talvez seja proposital. Quem passou por essa cidade, sempre, em algum momento, acaba voltando.

A canção tinha razão, New York, definitivamente, é “a state of mind… “

Bye.

posted by The guy behind a screen @ 10:44 PM |

  Wednesday, July 02, 2003  

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As Malas e Nossa Maturidade

Há anos que tento o impossível: fazer a mala com estilo, eficiência e eficácia. Já nem penso em elegância, pois esse é o estágio supremo da perfeição na arte de preparação das malas. Sempre foi um martírio e o fracasso na empreitada representava um aborrecimento perturbante. Porque fazer as malas exige não só um alto grau de organização. É preciso também um pouco de paciência, um traquejo manual e, sobretudo, um senso acurado de importância das coisas. Ou seja, o fulano que faz bem a mala está pronto pra vida civil e todos seus discretos desafios. Pois a preparação da mala é, necessariamente, um ato de engajamento. Você precisa fazer escolhas a toda hora, renunciando às leviandades. Levo essa segunda camisa pólo ou deixo espaço pra camiseta branca da Hering? Levo a calça jeans ou ou só vou de social? E aquela meia de corrida? Vou precisar de 4 mesmo ou não vou correr sequer um dia e me afogar nos drinks do fim da tarde? Mais do que uma frescura estética, é quase um ato de estadista, ao admitir que certas atividades não serão cumpridas e não adianta levar o tênis de corrida, na expectativa do cumprimento da agenda esportiva pois, admita, ela não será cumprida. Ao menos naquela viagem.

Mas cada viagem é um diferente desafio. O fim de semana no campo requer um senso apurado de escolhas. Levar cinco camisas por estar na dúvida revela um alto grau de postergação do maleiro. O desafio inicial, portanto, é fazer um corte de itens básicos. Se passar esta etapa, é possível afirmar que este é um indivíduo pró-ativo e tende a tomar decisões incisivas. O tempo na escolha dos itens também revelará traços importantes de comportamento. Se mais de um minuto se passar entre as escolhas da camisa, há grandes chances de esse ser nunca virar CEO de alguma empresa. Se, porém, estiver em dúvidas de comportamento sexual, estará desculpado e até mesmo 3 minutos pras camisas será aceitável.

A mala na praia é a do tipo mais fácil. Aqui, mais do que 5 minutos na preparação revela sérios distúrbios de personalidade. É preciso dar descontos às mulheres, onde o cronômetro deve ser interrompido na parte da escolha dos cremes. De volta aos itens básicos, o cronômetro deve rodar sem perdão.

Viagens mais longas, daquelas do tipo 2 ou 3 semanas na Ásia estão entre as mais difícieis. O fulano não só precisará de todo senso apurado de escolhas, como também necessitará dos traquejos manuais. Mala desarrumada, ainda que entulhada com os ítens corretos, invalida toda pré-seleção de peças bem escolhidas. O fulano é bem prático, mas não tem poder de finalização, deixando o acabamento de lado. Há traços de engenheiro na personalidade.

Mas o pior de todas são as viagens longas, aquelas de um ano e de mudança de território. Essas equivalem ao vestibular para o estágio adulto. O fulano precisa não só separar tudo, prevendo mudanças climáticas e alterações de humor, como também tem que encaixar toda uma vida num saco com rodinhas. Contêiner não vale. Colocar tudo num caixotão e despachar por navio, embora ganhe pontos em praticidade, revela a desistência diante do desafio das escolhas e um apego quase religioso aos bens materiais. O indivíduo não consegue, sem um aperto no coração, se livrar de peças de jogo de botão soltas no fundo da gaveta. Manda empacotar tudo.

Não é à toa que malas são feitas com muito maior competência por mulheres. E não se caia na justificativa fácil de que "isso é coisa de mulher". Mentira. As moças levam a melhor porque são naturalmente precoces. Amadurecem mais rápido.

Quanto a mim, não tenho dúvidas. Quando combinar em três malas, muito bem dispostas, anos de moradia (os livros não contam), estarei um homem maduro.

Por enquanto, ainda preciso de quatro valises.

posted by The guy behind a screen @ 4:00 PM |

  Monday, June 30, 2003  

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O Começo do Fim

Amigos e leitores. Hoje é o começo do fim deste blog. Em 1 semana estou de volta ao Brasil. Está será a semana de adeus à Nova York e adeus a este blog. Salvo se encontrar inspiração e um nome apropriado pra continuação em São Paulo, there is no more blog. Independentemente da inspiração e do nome, o certo é que o “Amarar em New York” tem dias contados de vida: morre em 7 dias. Não há nada a ser feito e não adianta acreditar em reencarnação. Se continuar a vida de blogueiro em São Paulo, precisarei de novo título. Pensei em “Amarar na Capitar”. Mas preciso de ajuda. Alguém se habilita?

posted by The guy behind a screen @ 10:21 AM |

  Wednesday, June 25, 2003  

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Sobre Jornais

Meu querido amigo Freddy Bilyk, que por contingências de trabalho abandonou temporariamente seu blog, chegou a me pedir, meses atrás, em seus áureos tempos de salivamento blogal, que eu escrevesse um artigo comparando os jornais norte-americanos. A tarefa foi sendo deixada de lado, na expectativa que um lampejo de inspiração ou um espírito empreendedor tomasse meu corpo. Nenhum dos dois veio. Mas eis que na pequena área, o juiz marca pênalti. E o que parecia jogo perdido muda de cenário. Pois ontem caiu na minha mão essa comparação dos jornais locais. Me parece irretocável, ainda que não possa me manifestar sobre alguns dos periódicos lá da costa oeste, sob o vento do Pacífico. Ainda assim, soa bastante razoável.
Se adotasse o método no Brasil, o equivalente abaixo ficaria assim: Número 1. para o pódio em conjunto de O Estadão e a Gazeta Mercantil; 2. para o “O Globo” e “Valor Econômico”; 3. para a “Folha de São Paulo”, que ganharia mais 2 coroas, a de número 4, do ponto de vista orgânico, e a de número 9, sob o aspecto comportamental, já que tecnicamente não pertence ao grupo 3. O número 7 e 8, em conjunto, iria em prêmio especial para o “Notícias Populares”, de São Paulo. Não numeraria mais nada, pois não há mais jornal regional no Brasil que saia das províncias e justifique afirmações genéricas. A única exceção vai para o item 6, com título honorífico para o “Jornal do Brasil”. Me digam, é ou não uma grande verdade?
Eis as definições:
1. The Wall Street Journal is read by the people who run the country.

2. The Washington Post is read by the people who think they're running the country.

3. The New York Times is read by people who think they should run the country.

4. USA Today is read by people who also think they should run the country, but don't understand the New York Times.

5. The Los Angeles Times is read by people who wouldn't mind running the country, if they could spare the time, and if they didn't have to leave L.A. to do it.

6. The Boston Globe is read by people whose parents used to run the country, and did a far better job of it, thank you very much.

7. The New York Daily News is read by people who aren't sure who's running the country, and don't really care as long as they can get a seat on the train.

8. The New York Post is read by people who don't care who's running the country, as long as they do it while having an affair with someone else's wife.

9. The San Francisco Chronicle is read by people who aren't sure there is country, or if there's anyone running it, but if there is, and whoever is running it, they're against it.

10. The Miami Herald is read by people who are running another country, but need the baseball scores.

posted by The guy behind a screen @ 12:58 PM |

  Monday, June 23, 2003  

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posted by The guy behind a screen @ 7:41 PM |

   

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Quase acabando...



Essa foto foi tirada pela minha amiga Ana Cristina, quando voltávamos da praia na semana passada. A vista do skyline de Nova York é uma emoção que só se compara com aquele pôr do sol no Leblon ou com a imagem da Tour Eiffel no início da noite. Você olha e olha e toda vez parece ser a primeira. São dessas imagens que não desaparecem. Como disse Cartier Bresson, o fotógrafo: "O que me interessa é o instante e a eternidade".
Já estou ficando com saudades...

posted by The guy behind a screen @ 10:51 AM |

  Sunday, June 22, 2003  

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O Ser Amoral

Outro dia me deparei com um ser amoral. Um indivíduo brasileiro, da categoria amoral. Achei que os amorais estavam extintos no Brasil. Ou ao menos fizessem apenas parte de uma raça sob o risco de perecimento, em companhia do mico-leão-dourado e alguma lagarta de cinco patas. Algo que você fica só sabendo pela imprensa, por necessidade de diversificação de temas, mas não se depara na esquina, ali, comprando leite.

Talvez realmente estejam em vias de extinção, o que só faz aumentar a curiosidade sobre a espécime. Pois é difícil imaginar que amorais ainda existam. Amorais estão entre os piores do pior da espécie humana. Não porque sejam os mais maldosos. Não são. Amorais são até dóceis. Mas são piores que os imorais, porque amorais são incorrigíveis. Pior, não contam com antídoto.

A imoralidade tem cura. A amoralidade não. O imoral planeja, sorrateiramente, a fraude ao credor. Franze a testa sob o risco de ser apanhado e anda às espreitas, com desculpas na manga para o caso de ser pego. Não nega o sistema, apenas tenta superá-lo vez ou outra, num momento de distração. Mas não o ignora nem lhe dá de ombros. Procura apenas derrotá-lo, aproveitando-se de suas falhas intermitentes. É o que os investidores tentam fazer no mercado de ações: “beat the market” é a expressão. Ou seja, o imoral joga o jogo jogado e apenas tenta dar a cotevalada certeira quando o juiz estiver desatento. Se for pego e expulso, vai para o chuveiro e não discute o ato cometido. Sabe que está errado.

Por isso não me parece muito preocupante a corja imoral. Sobretudo aquela entre os políticos. Para ser um imoral político, o sujeito precisa fazer toda a mis-en-scéne moralista. Fulano sobe no caixotinho e condena, veementemente, a prática do racismo. Saliva com ferocidade contra a corrupção. Berra os 10 mandamentos e chora ao carregar o bebê doente no colo. Pouco importa que viole tudo às escondidas. Pois o que importa é que o imoral, assim agindo, preserva o sistema, permitindo que a moldura de moralidade sobreviva e, um dia, quem sabe, pegue o imoral de calças curtas, cometendo o adultério contra a moralidade.

É por isso que no Brasil, quanto mais solidificada a democracia, mais estamos livres do perigo dos imorais. Enquanto tivermos uma classe média escandalizada e uma imprensa ativa, políticos fazendo a pilhagem de madrugada são apenas a exceção que confirma a regra. E ainda temos esperança. Passarão, aos poucos, a ser um percentual de anomalia do sistema, perfeitamente aceitável portanto. Algo como o que representa uma taxa de desemprego de 5% ano para o campo econômico. Faz parte do pacote capitalista.

O que é preocupante, isto sim, é a negação do jogo. É a vó e neta paulistana confessando abertamente na mesa do jantar, em discreto contentamento pela momento de cumplicidade de gerações: “Ele rouba mas faz”. Isso sim causa calafrios.

Pois outro dia vi um tipo assim, um ser amoral da mais clássica estirpe. E por alguns minutos toda uma geração de amorais brasileiros me veio à mente. O indivíduo manifestou sua amoralidade na seguinte historiazinha: contou, tranquilamente, que copiava os textos desta coluna e os colava em espaço próprio, surrupiando a autoria. O amoral contou a história e ainda esperou por uma resposta de tolerância, um “deixa pra lá” displicente. Não obteve. Indagado e informado da seriedade do ato, veio com a frase suprema da amoralidade: “Ué, mas todo mundo faz!”.

É difícil imaginar que indivíduos que nasceram e foram criandos dentro da família cristã, que foram ao colégio privado, que frequentaram aulas de ballet ou natação, que estudaram um pouco de piano e foram em festinhas inocentes com os colegas, possam, sem ruborizar, dizer em alto e bom tom: “Ué, mas todo mundo faz!”, e com isso livrar-se do peso da culpa.

Por um segundo pensei em retrucar com agressões e cheguei mesmo a pensar em revelar a identidade do gatuno. Mas de nada adiantaria. Amorais, por definição, não se dão conta do pecado. E aí reside o grande perigo da espécie, tão típica de nosso tropicalismo. E depois, haveria ainda o risco de me surpreender com as reações e ver toda a turba de amorais em manifestação de solidariedade com o infrator, todos perguntando “qual o problema”. Como estou voltando pra terrinha, não quis correr o risco. É melhor crer que nosso país sofre do mal menor, o da imoralidade congênita.

posted by The guy behind a screen @ 2:41 AM |

  Friday, June 20, 2003  

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Disclaimer

Poderia ter dito que era a primavera. Jogado a culpa na natureza e no pôr do sol depois das oito. Poderia também ter dito que era o trabalho. Horas enfurnado em contratos, reuniões, telefonemas e coffee breaks com os coleguinhas. Como estou em NY, poderia, inclusive, ter culpado o capitalismo e dito que muito tempo foi gasto fazendo compras na parte alta da cidade. Ou poderia, ainda, dizer que é simplesmente a tensão da volta que se aproxima e as ocupações de fechar o boteco, cancelar contas, jogar fora revistas que nunca foram lidas e, claro, dizer tchau para os amigos. Nada, porém, nenhuma dessas desculpas, encobriria o fato de que só eu sei de verdade: a preguiça e a falta de inspiração, quando vêm juntas, são avassaladoras.

posted by The guy behind a screen @ 4:24 PM |

  Sunday, June 08, 2003  

[ 200401524 ]
 

Dica Preciosa

A primavera se instalou de vez em N. York. É, portanto, hora de aproveitar e sair do trabalho às 5 da tarde sem sentir que este ato é uma traição à iniciativa privada. Há dois fatores, porém, que fazem a primavera ter outro significado, bem distinto daquele que entendemos no Brasil. Aí, primavera não diz quase nada, a não ser que os Ipês ficam floridos pela cidade. Não há nada mais que nos avise que mudamos de estação, além de flores esporádicas. Afinal, estamos entre trópicos e todas as estações parecem ser tão-somente uma forma disfarçada do verão. São variações do humor do verão que, às vezes, aborrecido, resolve se ausentar em julho, só de birra. Pois a verdade é que não existem estações no Brasil, nem nos calendários Pirelli. O que temos são meses e datas festivas. “Maria Rita terminou com o Alberto. Jura? Quando foi? Ah, em fevereiro, um pouco antes do carnaval”.

Tudo muito diferente do hemisfério norte, onde as estações se fazem respeitar pelo nome. Aqui, a Jenniffer traiu o George, mas todo mundo sabe que a história aconteceu no verão. Aquele verão que eles alugaram a casa na praia nos Hamptons e George foi trabalhar na Filadélfia...

Outro dado importante que faz da primavera algo especial em Manhattan é a topografia da cidade. Como Nova York é uma cidade absolutamente plana, temperaturas amenas signficam intermináveis passeios pelas calçadas. A cidade inteira sai pras ruas e há grande excitamento no ar. Todo mundo sente que algo mudou e os hormônios começam a sapatear sem ficarem envergonhados. Encontraram até nome pra isso e chamam essa época do ano de “Spring Fever”, a febre da primavera.

E parte da graça de tudo isso é sentar nos bares e restaurantes que esparramam mesas pelas calçadas. Há uma infinidade deles, todos prontos para acolhê-lo se você for caprichoso na gorjeta. Seja generoso. Os fluídos da primavera devem te atacar por inteiro.

The Roof Garden

A grande dica, porém, é pouco conhecida. Pra mim, o melhor de todos esses bares sazonais fica no telhado do Metropolitan Museum. Isso mesmo, o museu. O lugar, pouco divulgado, só abre dois meses por ano, entre a primavera e o ínicio do verão, e somente às sextas e sábados, das 5 às 8 da noite. É preciso entrar pelo museu e pagar ingresso. Não se assuste porém com os 12 dólares que se pede na portaria. Use a técnica dos advogado e leia tudo o que está escrito no quadro de avisos. Os 12 dólares pedidos são apenas uma sugestão do museu. Ou seja, dê uma de local e estique uma nota de 1 dólar. Se você se sentir um pouco sovina e constrangido, e resolver querer esticar uma nota 5, pare no ar e recolha a notinha ao bolso esquerdo da calça. Lembre-se que eles irão te cobrar tudo de volta lá em cima, quando te pedirem 7 dólares por uma garrafinha de cerveja. Dê o dolarzinho sem piedade.

Passada a etapa burocrática, procure o elevador de acesso lá no fundo. Há uma caminhada longa até lá, mas provavelmente é a entrada de bar mais chique e cara do mundo. Primeiro, você passa pela ala mezopotâmica do museu; depois, encontra vasos e ornamentos orientais, lá pela dinastia Ming. Quando estiver vendo umas cabecinhas romanas e lembrando das orgias do período, a festa lá em cima estará próxima. Tome o elevador e não contenha a cara de caipira que fará, como fez com a primeira visão do mar, ao se deparar com a vista lá do alto. Terá o Central Park inteiro aos seus pés, com a colaboração generosa do pôr do sol, que se refletirá em prédios de apartamentos de milhões de dólares, imponentemente debruçados sobre o verde do parque. Relaxe, você merece todas as cervejinhas disponíveis. Dê uma boa olhada em tudo e suspire de contentamento com a oportunidade. Mas não exagere na bebida. Lembre-se que na volta vai ter que passar por todas aquelas civilizações novamente.

Atravessar 5 mil anos de história, com todas suas faculdades civilizatórias afogadas na bebida, pode acabar sendo uma eternidade...

posted by The guy behind a screen @ 11:33 PM |

  Saturday, June 07, 2003  

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  Wednesday, June 04, 2003  

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Sumiço

Andei sumido. Estava cansado de escrever. E estava ocupado, trabalhando. Não que o trabalho roube o tempo pra escrita. Sempre há tempo. Essa história de “há, tô sem tempo” é bobagem. Arruma-se tempo pra tudo, salvo ir a um jogo de beisebol. Aí, é preciso muito tempo. Tempo e paciência.

Mas o trabalho rouba o tempo da escrita na medida em que preenche sua imaginação com questões práticas. Onde há muitas questões práticas nossa cabeça fica temporariamente fechada para devaneios. Como falar sobre a primavera em Nova York se o cliente está preocupado em finalizar a venda da empresa, e você, como solidário advogado, está casado com a causa? Não que isso mude a primavera, ela continua aí, mas você não a percebe. É por isso que acredito que não se escreve um bom romance sem uma boa dose de vadiagem. Precisa-se vadiar para criar. E também é necessário muitas horas sozinho. Horas sem fim. Se você está muito tempo acompanhado, não consegue imaginar nada. Tua vida é apenas um diário de fatos reais. Pode haver muita picardia nos fatos e, se você for bom observador, pode descrevê-los com graça e refinamento. Mas tudo estará sempre no universo dos acontecimentos, com muito grau de realidade.

É por isso que Casanova escreveu um livro de memórias. Se estivesse desocupado, teria escrito um romance. Mas não teve tempo.

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  Saturday, May 31, 2003  

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  Tuesday, May 27, 2003  

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Mistérios que se foram

Lembro-me quando ia pra São Paulo visitar meus tios. Era época de cabelos longos de criança (não intencionais portanto), e 1.5 metro de altura. São Paulo parecia sempre fazer frio. Todas minhas lembranças dessa época me remetem à dias nublados e temperaturas baixas. Gosto de lembrar assim. São Paulo parecia ainda mais enigmática. A imagem mais marcante continua sendo do terraço da casa do meu tio. Era na Rua Votuverava. Não esqueço esse nome. De lá, na Cidade Jardim, eu via as luzes acesas do Jóquei. Aquela imagem de uma cidade tentacular, imensa na noite fria, fazia de São Paulo uma cidade misteriosa, inatingível pra uma criança. O Estádio do Morumbi então era um abismo indecifrável. Lembro-me da primeira experiênca. Não foi uma boa experiência. Foi em 78. O São Paulo precisava ganhar no tempo normal e na prorrogação pra ser campeão. Ganhou de 3 x 1 acho, no tempo normal. Mas ficou no empate na prorrogação. Lembro-me saindo do estádio, minutos antes da partida acabar, de mãos dadas com meu pai. Já lá fora, em direção ao estacionamento, antes que o jogo terminasse, fazia repentinos movimentos de espanto, esperançoso com as frequentes erupções da torcida lá de dentro. Puxava então a mão do meu pai e olhava pra ele (ele parecia tão grande!), perguntando se não tínhamos marcado o gol da consagração. Meu pai dizia que não, meneando a cabeça, em tom conformado.

Naquela época, e durante alguns anos, tudo parecia mistério. Havia o mistério das mulheres, das cidades, dos personagens que a habitavam. Havia o mistério do cheiro do whisky que os adultos tomavam. Havia também o mistério sem razão alguma. Queria decifrar tudo e preservar o encantamento. Depois, fiquei adulto. E o preço da maturidade foi a perda de todos esses mistérios, que um a um foram entrando pro rol das realidades. Aí ficamos “malandros”. Antecipamos as jogadas, evitamos os erros, diminuímos os sofrimentos. Mas também diminuímos as expecativas e, de certa forma, deixamos de sonhar.

Meu pai sabia, pelo andar da carruagem, que aquele título, àquela altura, já estava perdido.

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  Monday, May 26, 2003  

[ 200343314 ]
 

De Pai pra Filho

Há anos que corro atrás da Babel literária. Meu sonho era uma biblioteca inteira que coubesse no meu computador. Onde eu pudesse fazer anotações nos livros, marcar página, ler pela metade, blá, blá, blá e tudo não tivesse mais do que o peso de um laptop. Essa história de estante de livros tem lá seu charme, mas o ônus é o sedentarismo que ela nos traz. Se você tem uma estante razoável, nunca poderá imaginar-se vivendo outras vidas, longes de seus pertences. Nem poderá dar as costas para o mundo, saindo do trabalho e indo direto pro aeroporto. No meio do caminho será atacado de terrível remorso e dirá a isso mesmo: “Mas e minha biblioteca?”. E, pateticamente, mandará o táxi dar meia volta, arcando com os custos da longa corrida presa no trânsito. Mas eis que a libertação veio. No feriado chuvoso em Nova York, descobri a biblioteca de Alexandria. Toda digitalizada, acessável (esta palavra existe?) de qualquer lugar do mundo. Há mais de 45 mil livros na área de Ciências Humanas e, entre períódicos e artigos publicados, chega a 400 mil. Tudo bem, falta ainda muita coisa. Mas fiz uns testezinhos e encontrei todo o básico. Há até Machado de Assis, em inglês. Ainda não é o suficiente pra escapada ao aeroporto, já que Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha e o próprio Machado, não estarão viajando consigo na língua natal. Mas já é um bom começo. Então, meus amigos, libertem-se de suas amarras, economizem em bobagens como CD playes no carro com controle remoto e assinem uma conexão rápida da internet. Depois, cliquem no www.questia.com e façam a assinatura anual. Livrar-se dos bens materias é o primeiro grande passo para a vida errante.
P.S.: quando acessarem o site acima, click no ícone da direita (Instructional Demo) e ouça a mocinha explicar tudo.


posted by The guy behind a screen @ 10:38 PM |

  Sunday, May 25, 2003  

[ 200340368 ]
 



Juventude: Uni-vos!

Leia a revista semanal do New York Times e verá a nova juventude direitista americana montando sua cabana decorada de flâmulas nos campus das universidades. O enorme crescimento da turma neo-conservadora tem culpados: os radicais muçulmanos e os chatos ultra liberais. Já havia um crescimento da direita americana, cansada de ter que ficar contando piadinha racista ao pé do ouvido, massacrada por essa coisa besta de multiculturalismo e sua ditadura relativista. Aí veio Bin Laden, e o que era projeto tornou-se realidade. Como disse o comediante Garrison Keillor no seu programa no rádio sábado à tarde: “Virei Republicano. É tão bom isso. Não preciso mais ficar me policiando com o que falo. Um alívio!”

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O Homem do Bar

A vida de um barman em NY é uma tarefa titânica. Há um jogo de mãos quase olímpico, enquanto o olhar e o ouvido concentram-se nos movimentos labiais, lábios do mundo inteiro, em confusos pedidos, pedidos sem sintaxe e sem regência, tudo atrapalhado pelo distorcido rock´n roll ao fundo.

posted by The guy behind a screen @ 10:48 PM |

   

[ 200339126 ]
 

A Força das Pequenas Coisas

Todo um sabádo jogado fora, toda uma noite que podia ser, não foi e nunca mais será. O recolhimento precoce à casa, o desiludido sábado em frente à TV, enquanto lá fora são distribuídos milhares de sorrisos e convesas bobas; também litros sem fim de margueritas e cosmopolitans são despejados, bebidos, derrubados, vomitados. E todo esse distanciamento auto impingido por uma simples concessão a um impulsão físico, a um desejo ancestral.

Ah, se tivesse escutado a razão, e ignorado aquelas duas rodelas de cebola que vieram no duplo hambúrguer das 9...

posted by The guy behind a screen @ 11:56 AM |

  Saturday, May 24, 2003  

[ 200337201 ]
 

Homens e Mulheres de Branco

Já é tarde da noite e encontro marinheiros pela cidade. Não, não estou bêbado. Às vezes um navio militar aporta em Manhattan e um monte de gente de branco se espalha pelos bares e pelas calçadas da cidade. Não consigo nutrir respeito por essa categoria. Nem temor reverencial me ocorre. Há qualquer coisa de esquisito com essa cor. Um fulano que se veste de branco, dos pés à cabeça, não pode, não, não pode, guardar consigo agressividade. Menos ainda vagar bêbado, e ainda menos ir pro combate. Branco deveria ser só permitido aos homens de paz: médicos, dentistas e enfermeiras. E às mulheres noivas também seria permitido, como uma exceção, já que as mulheres noivas são cândidas por algumas horas, só até o momento em que começa aquela erupção de emoções. Se bem que aí até que elas respeitam a regra e, corretamente, se desfazem das incômodas roupas brancas.

posted by The guy behind a screen @ 2:35 PM |

  Friday, May 23, 2003  

[ 200334149 ]
 

Consensus de Washington, Reloaded
(ou, Do Amor de Lula pelas Galinhas)

Ontem saí mais cedo do escritório pra assistir aos economistas John Williamson e Pedro Pablo Kuczinsky falarem sobre seu novo livro, "After the Washington Consensus. Restarting Growth and reforms in Latin America". Nunca tinha notado, mas há uma multidão no metrô às cinco da tarde. Todo mundo sai do trabalho às cinco da tarde em Manhattan. E não são só os homens de colarinho azul, os que usam o bíceps pra pagar a prestação, que deixam o trabalho antes de o sol se pôr. Os de colarinho branco também vão na leva. É como se a cidade inteira fosse de funcionalismo público, que se recusa a mandar o email se o ponteiro bateu nas 5:02. “Desculpa, mas vou perder meu trem”, diz a secretária em tom irritado.

Quatro estações mais tarde, estava lá eu usando toda a concentração de um advogado pra entender o que economistas falavam. John Willianson, lá pelas tantas, menciona que Lula chama o tal de Consensus de Washington, que ele criou, como trabalho do demônio. Ou seja, estávamos todos ali, ao vivo, vendo o Diabo em pessoa, a besta de tridente na mão, com sotaque inglês, as 5:30 da tarde!

O ponto alto porém, como sempre ocorre nesses eventos, ficou para as histórias de bastidores. Segundo gente do staff do Americas Society, Lula esteve lá quase todas às vezes em que concorreu à presidência. A melhor história, claro, ficou reservada para o Lula pré Duda Mendonça, pré Liberalismo, e pré Internet, o Lula I. Aconteceu assim: o Lula pré-civilização concorria com Collor, e foi lá dizer porque merecia o apoio dos banqueiros. Lá pelas tantas, 1 hora antes da apresentação, chega na recepção um daqueles mexicanos de bicicleta (aqui não se usa motoboy, é bikeboy), com um carrinho de comida pra Lula e sua trupe, acompanhado da nota de U$ 75.00 (fiz as contas e, aplicando a inflação, daria U$ 340.00 de hoje). Lula descobriu um restaurante brasileiro que mandasse frango, arroz e farofa. Quinze minutos mais tarde, segundo o informante do staff, a sala dos bastidores de Lula lembrava Sarajevo, com os corpos das galinhas trucidadas pelo chão e Lula com a barba brilhando o a pele lustrosa do frango.

Diz a funcionária do Americas Society que isso tudo acabou, o que não é novidade pra nós brasileiros. Mas vale como anotação. A última vez que Lula esteve lá, pediu água, café e comeu risotto de aspargos, em porções equilibradas. E, detalhe importante, vestia Armani e gravata Zegna.

O resultado, óbvio e esperado, mas por anos desprezado por Lula, foi que ninguém ficou com medo quando ele, Lula, falou mal sobre o tal Consensus de Washington. Já não soava opinião sincera e parecia o jogo popular de campanha. A razão é que estavam todos com a apólice na mão: a informação sobre o risotto de aspargos tinha vazado. E da platéia, não havia como não notar o corte do terno, e as cores luzentes da gravata Zegna. E nem mesmo a voz rouca de Lula já mais assustava.

posted by The guy behind a screen @ 1:25 PM |

  Thursday, May 22, 2003  

[ 200328491 ]
 

O Torcedor

Ontem o Presidente Lula sancionou o Estatuto do Torcedor. Isso mesmo, do torcedor de futebol. Como advogado militante e torcedor engajado, chequei tudinho, tintin por tintin. Tinha a esperança de que, lá na definição de torcedor, encaixassem também o de comentarista de blog, esse torcedor apaixonado. É que todo blogueiro tem a dupla função, de escritor e comentarista. É jogador e torcedor. Se houvesse espaço legal, esse Ser estaria amarrado lá, entre direitos e obrigações. Sim, obrigações! Digo isso preocupado não com o que acontece aqui, já que não sou de muitas polêmicas e não tenho reclamações a fazer. Mas me causa suspiro o que ocorrerá, entre arremessos de exclamações e salto triplo de adjetivos, lá no Blog do Olavo de Carvalho, que o craque Alexandre Soares avisa que já está no ar. Se com um ou outro ocasional artigozinho caricato, esse espaçozinho aqui ganha barulho, já imaginou com o pai das polêmicas, o homem que conseguiu brigar até com o Luiz Fernando Veríssimo? As meninas de gene impulsivo e os meninos de traços recalcados, enfim, encontraram seu playground virtual, (que agora não se limitará mais ao Paulo Polzonoff), onde poderão descarregar seu ódio às opiniões alheias, com mãos pesadas e dedos apressados no teclado, ao som de disritmadas acelerações cardíacas. E o que é melhor de tudo: poderão dizer, o que confusamente pensam, sob a contínua e doce proteção do anonimato. Allez enfants!

posted by The guy behind a screen @ 11:24 AM |

  Wednesday, May 21, 2003  

[ 200323155 ]
 


Jayson Blair: "I will entertain you!"

Let’s Entertain!

Ainda causa barulho por aqui a história do “jornalista” Jayson Blair do New York Times, o tal cara que produzia textos em forma de mosaico, importando uma parágrafo de um autor ali, colando frases próprias aqui, criando um depoimento inexistente lá no meio do texto, encaixando tudo sob a moldura de um fato verdadeiro, pra dar equilíbrio na coisa.

O NYT, espertamente, publicou a notícia antes que a coisa vazasse. Avisou aos leitores, lá do gramado, pedindo pra ser substituído, antes que a torcida descobrisse a farsa iminente. Assim agindo, o Times preservou sua imagem imaculada de integridade, mas sua credibilidade foi por água abaixo. Mas, quantos de nós deixará de ler o Times por conta disso? Pouca gente. E a razão é que notícias como as que o tal do Jayson Blair reportava, como a história do tal “sniper” de Maryland, não são levadas a sério por ninguém. São puro entretenimento. Ninguém lê sobre um franco-atirador, querendo saber sobre a verdade nua e crua dos fatos. O leitor quer é diversão e passatempo. Algo que faça companhia nos domingos de sol no Central Park.

E esse é um fenômeno tipicamente americano: a notícia como “entertainment”, a mídia como um “business”. Há pouca diferença entre montar um jornal e estabelecer uma distribuidora de bebidas.

Não é a toa que a mídia local, quando não está falando sobre guerra, passa horas e horas noticiando o sequestro da menininha, o estupro e desaparecimento da fulaninha, a morte em série dos garotos na escola. Pouco tempo é gasto analisando os atos presidenciais de Bush, ou a política exterior do governo. Afinal, who cares? Fulano só quer diversão.

Nós, brasileiros, não precisamos disso. Não precisamos porque criamos nossa própria ficção, dispersa no nosso dia a dia. E tendemos a encarar a leitura como forma educacional e não recreativa. Nossa vida já é um grande playground, entre cantadas no meio do quarteirão e assaltos na esquina, salpicada com fofocas do escritório. E à noite, temos nossas novelas!

Por isso é que sou dos que acreditam que a mídia deveria ser toda ela opinativa e ensaística, como única forma de manter o que resta ao que se quer jornalismo. Que acabem com essa balela de jornalismo como retrato distanciado dos fatos. Essa história acabou. Na verdade, nunca de fato existiu. Jayson Blair entendeu isto. O único problema é que foi pego, antes que lhe dessem o prêmio Pulitzer, pelos excelentes serviços prestados. Agora, não lhe resta mais nada. Vai ter que abrir pousada no sul da Bahia. Não lhe faltará histórias pra contar. Será puro entretenimento.

posted by The guy behind a screen @ 11:14 AM |

  Monday, May 19, 2003  

[ 200315063 ]
 



Curb Your Enthusiasm

Ser politicamente incorreto nos EUA passou a ser tão comum que já se vislumbra uma nova onda propondo a volta do politicamente correto, só pra ficar mais chique. No Brasil, ainda estamos na situação inversa. Vivemos sempre um passo atrás quando se trata de roupagens democráticas. E, invariavelmente, estamos sempre copiando.

Assim como na moda há um encolhe-aumenta dos biquínis, sempre contestando o verão precedente, a história da manifestação de pensamento por aqui também é sazonal. A prova definitiva de que o tal do politicamente incorreto não se restringe mais a uma elite contestadora e pensante, é que já vai para a terceira estação o seriado Curb Your Enthusiasm, criado pela HBO local.

Larry David, estrela principal do seriado, é o produtor do consagrado e querido Seinfeld, e aqui faz o papel de si mesmo, relatando apenas seu dia a dia de produtor milionário aposentado. Lembra Seinfeld, a série, mas vai além. É mais cru e verdadeiro. Larry é o produto acabado do liberal totalmente incorreto, que vomita na tela, sem pudores, todos seus preconceitos de raça, credo e sexo. É egoísta no sentido mais humano da palavra. Age como tantos de nós agimos e é o mais perfeito retrato do americano que não tem pruridos em demarcar seu território. Para o brasileiro pode soar quase surreal algumas das cenas, mas se você já morou por aqui vai ver que a velhinha te xingando no ponto de ônibus e, pior, você xingando de volta, não é cena de filme. Acontece de verdade.

A turma dos politicamente incorretos no Brasil vai se deleitar. Mas a hora que perceber que o episódio é semanal e tá virando coisa popular, vão querer mudar de lado...

posted by The guy behind a screen @ 10:09 PM |

  Saturday, May 17, 2003  

[ 200306637 ]
 

Powered by audblogaudblog audio post (sobre Matrix Reloaded)

posted by The guy behind a screen @ 10:58 PM |

  Friday, May 16, 2003  

[ 200301168 ]
 

Há o prazer absoluto, ao qual chamamos por vezes e equivocadamente de felicidade. E há a falta completa de prazer, o antagônico, agora com nome justificável, ao qual chamamos de infelicidade. Entre um e outro, vamos ao cinema ou surfamos na internet.

Estou cada dia mais hedonista.

P.S.: hoje de madrugada, tem audio blog, comentando in locu o filme Matrix Reloaded.

posted by The guy behind a screen @ 9:41 AM |

  Wednesday, May 14, 2003  

[ 200292768 ]
 

Manual do Candidato:

Da garota piracicabana para o menino:

“Esse carro aí é seu?”

Da garota paulistana para o menino:

“Como é mesmo o seu sobrenome?”

Da garota novaiorquina para o menino:

“What do you do?”

Explicações ao candidato:

(i) garotas americanas são democráticas e meritocráticas. Não interessa o teu nome, quem é seu pai, da onde veio, seu sotaque e trejeitos do meio-oeste americano. Conseguiu se dar bem na vida? Você é um exemplar digno de respeito. Merece confiança e dedicação. Juntos, podem trabalhar em equipe e obter aquela sonhada casa nos Hamptons, com um Setter correndo de lá pra cá no gramado sem cerca. O governo ainda te ajudará, cobrando 3% ao ano pelos juros do financiamento. É o casamento joint-venture.

(ii) garotas paulistanas não se interessam somente pelo seu dinheiro. Estão confusas. Com a profusão de BMWs e Audis de lá pra cá, pode haver muita picaretagem no meio. É melhor confiar no bom e velho sobrenome. Além disso, só muito dinheiro te abrirá portas para os vernissages da cidade e acesso ao clube Harmonia ou à Hípica Paulista. Mas um bom sobrenome não falha, mesmo que a mensalidade do clube fique em atraso, ainda é o melhor negócio.

(iii) garotas piracicabanas não podem ser meritocráticas, pois o capitalismo aqui ainda reina insípido. Também não podem se dar ao luxo de sobrenomes, senão o filtro deixará escoar, livre do bagaço, somente meia dúzia de rapazes e suas usinas de açúcar, todos devidamente endividados e vivendo mansamente da renda da tia matriarca. O jeito é o puro deleite do instante, já que numa sociedade quase sem castas o que vale é o diz-que-diz no domingo à tarde.

Conclusão: garotas americanas vivem e transpiram a plutocracia; garotas paulistanas se amolecem mesmo é com a aristocracia; garotas piracicabanas só almejam o desfilar pra burguesia.

P.S: antes dos ataques, lembrem-se de Pascal: a ciência se faz pela média...

posted by The guy behind a screen @ 5:57 PM |

  Tuesday, May 13, 2003  

[ 200287656 ]
 



Matrix Reloaded

Hoje é a última noite que precede a noite de véspera da estréia de Matrix, o novo Matrix. Portanto, é dia de experimentar o que os sentidos mais palpáveis nos trazem de verdade. Pois, depois de amanhã, tudo não passará de uma grande ficção, e o cheiro de milho verde fervente no caldeirão será apenas uma produção de software implantado em nosso cérebro.

Há uma badalação quase de torcedor em vestiário pelo mito moderno que Matrix se tornou. Matrix cativou milhões no mundo inteiro e criou legiões de adeptos, como se a tal Matrix do filme existisse de verdade. Há razões pra isso. Pois não é só a novidade de seus efeitos especiais, que trouxe pra terra batida a já cansativa e repetitiva confusão de raios laser e brigas intergaláticas, transformando tudo num palpável ballet de socos e pontapés, que atrai em Matrix. Além desse fato, houve muita gente que se afeiçoou àquela idéia da verdade alcançável.

O mundo real estaria aberto aos degustadores da tal pílula verde, se eles pudessem resistir à tentação dos bifes encorpados e se, em esforço extremo, se libertassem da escravidão das coxas suculentas, semi cobertas por um clássico vestido vermelho. Pessoalmente, não acredito nos benefícios das pílulas verdes. Elas não me convencem. Vou além. Sou daqueles que segue a linha de que estamos, por natureza, vacinados contra as tais pílulas. Pois temos todos, ali, em algum lugar entre o quadrículo esquerdo do cérebro, a tal mentira vital, o antídoto em formato de ignorância, que ora vêm moldado no calor das picanhas, ora toma forma de tórridas lingeries.

Mas Matrix insiste e não desiste, no melhor estilo doutrinador, querendo nos libertar desse mundo falso e doentio. E não poderia ser diferente.

Matrix é, na verdade, o grande Manifesto Comunista moderno.

posted by The guy behind a screen @ 7:49 PM |

  Saturday, May 10, 2003  

[ 200273063 ]
 

Em Harmonia

Há não sei quantos deles perfilados ordenamente sobre o gramado. Todos comportadinhos, sabendo exatamente qual o seu papel, ficam imóveis, esperando o momento certo de agir. Usam uniformes justos no corpo. Apesar de o sol não causar mais empecilhos, não dispensam o boné, uma marca registrada do país inteiro. As meias se sobrepõe ao final das calças, ficando expostas quase aristocraticamente. Através da grade que põe um limite entre o gramado e a calçada, observo esses meninos de 10 anos de idade, que parecem dispostos na superfície de um daqueles bolos de aniversário. O sol já se foi e há somente aquela luz atrasada do fim da tarde, com apenas mais alguns minutos de sobrevida. Há uma brisa morna e esporádica, que bate vindo do rio, há apenas algumas quadras. Pais e técnicos olham atentamente, com movimentos musculares no rosto. De braços cruzados, dão gritos de incentivos, mas exigem seriedade.

Vendo assim, essa cena adocicada em plena Manhattan, tem-se a impressão que estamos perdidos numa cidade do interior americano, onde o senso comunitário toma forma de encontros esportivos e festas beneficentes, além de incontáveis grupos de discussão de bairro.

Vou embora antes que o jogo acabe, a contragosto por ter que deixar a imagem idílica em pleno centro urbano. Queria ter tido, ali, o tempo de sobra que Benicio del Toro teve em Traffic e ficar mascando chiclet esparramado na arquibancada, acompanhando o jogo despretensioamente, sob aquela luz amarelada da noite. Mais tarde, a certa altura do jogo, pediria um hot-dog.

posted by The guy behind a screen @ 7:25 PM |

  Thursday, May 08, 2003  

[ 200264743 ]
 

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posted by The guy behind a screen @ 7:32 PM |

  Wednesday, May 07, 2003  

[ 200256144 ]
 

Humilhação

Começou a esquentar em Nova York. O que significa ar condicionados ligados, o que, por sua vez, significa frio glacial nos espaços fechados. O ar condicionado na América é a prova definitiva de que, mais do que ter o domínio sobre a natureza, os americanos querem humilhá-la por completo.

posted by The guy behind a screen @ 9:36 AM |

  Tuesday, May 06, 2003  

[ 200249577 ]
 



A Guerra e a Nova Agenda Americana

Nunca mais voltei a esse assunto. Me cansou. Na verdade cansou a todos. No período de 10 dias, enquanto passava férias sob o sol da Bahia, a guerra acabou. Quase ninguém mais comentou, mas a guerra realmente acabou. Alô, a guerra A-CA-BOU. E todos ficamos com essa impressão azeda de que, enfim, todas as previsões apocalípticas sobre a guerra não ocorreram. Na verdade, Bush venceu. Admitamos, Bush estava certo.

O que se imaginava uma batalha sangrenta, um despedaçar de almas e corpos, uma tarde no Sarriá, não passou de um jogo amistoso. Os americanos entraram, mataram meia dúzia, tomaram aqui, ali, acolá e, quando se viu, tudo estava acabado. Ficamos todos com cara abestalhada, atormentados entre o dilema de ver o caos completo e, assim, justificar nossos argumentos, e o suspiro aliviado pelo massacre que não ocorreu. Pois a verdade é que as milhares de cenas de horror e violência que se esperavam não aconteceram. Tudo bem, aconteceram, mas convenhamos, nada perto do que se imaginava como a grande tragédia. Longe, muito longe do que era previsto.

Ok, Bush continua sendo o que era e todas suas opiniões sobre ele continuam válidas. Mas agora teremos que engoli-lo. Exatamente como quando Zagalo nos trouxe a Copa. A diferença é que Bush não virou para nenhum repórter e disse: You have to swallow me now!

Em compensação, agora teremos que aguentar, aqui na América do Norte, provavelmente pelos próximos 5 anos, o seguinte cenário:

· Você é aquele jornalista que falou mal do governo? Pois não é bem vindo às entrevistas coletivas. E tem mais. Não merece as informações de pé de ouvido propositalmente desaguadas na imprensa pela nossa Administração. Se você falou mal do nosso governo, agora deve arcar com as consequências e se limitar a publicar resenhas sobre os novos filmes de hollywood, ou comentar o último clip da Madonna. Saí daqui seu jornalistazinho de m....!

· Andou indo em festas e passando de mão em mão o baseado para os amigos, escrevendo sobre os benefícios da discriminalização das drogas ou alguma vez fumou e tragou? Esqueça a vida pública seu viciado! Seu destino é ser vendedor de seguros numa remota cidade do Tenessee. E cuidado, na hora que bobear, te enquadramos nos crimes hediondos e lhe aplicamos 60 anos de prisão. Seu drogado!

· Alô, feministas! Lembra daquela questão da liberdade da mulher sobre o próprio corpo, aquela história de que o aborto é uma pedra fundamental no rol de direitos americanos, aquela baboseira toda que tivemos que engolir durante quase 40 anos? Pois se preparem, estamos atrás de vocês. Logo logo aprovaremos no Congresso uma lei pra que essa palhaçada toda acabe. Criminosas assassinas!

· Sabe daquele negócio de Estado laico, ou seja, da separação entre o Estado e a religião? Forget about it! Estamos cuidando de passar uma lei transferindo recursos públicos para as escolas privadas que ensinam religião. Afinal, é para o bem da nação. Como assim não acredita em Deus? Seu impatriota! God bless América!

· Resolveu olhar uns peitinhos de fora e umas poses safadas com o computador da biblioteca pública? Não, você não ficará apenas constrangido porque a Sra. Matthew te pegou no flagra. Vai ter que pagar multa ao município e será banido indefinidadmente do recinto. Já estamos trabalhando no Congresso pra que isso ocorra, seu tarado depravado!

· Documento, me mostra o documento! Tá andando sem carteira de motorista no bolso? Quem é você? É bom explicar direitinho pra gente. E cuidado com o que fala, pois se acharmos esquisito, te enquadramos como suspeito de terrorismo e te jogamos lá em Guantánamo Bay. Vai ficar mofando com macacão cor de laranja, sem direito à advogado. E nem pense em invocar essa meleca de due process of law. O tal do “devido processo legal” é só pra gente de verdade, ouviu seu animal?!


Esse é o novo cenário pós-guerra, já amplamente em prática aqui no dia a dia americano. Pois a grande verdade é que a melhor coisa que aconteceu pra agenda republicana, tudo aquilo que eles sempre sonharam, o mundo perfeito que sempre quiseram pôr em prática e nunca puderam, tudo lhes foi dado de bandeja, naquela linda manhã de céu azul e discreta brisa, em 11 de setembro de 2.001.

Bush está em dívida. Ao menos um cartão de agradecimento deveria ser enviado, mantendo seu estilo direto e objetivo: Thank you very much Mr. Osama.

Garanto que só não mandou ainda porque não tem o endereço.

posted by The guy behind a screen @ 8:01 AM |

  Friday, May 02, 2003  

[ 200235903 ]
 



Academia Brasileira

Ouço toda hora falarem mal do Paulo Coelho. Eu mesmo, gosto às vezes de falar contra o mago Coelho. Paulo Coelho não é exatamente, digamos, um exímio representante do mundo literário. Nunca foi. Mas Coelho é um grande business man. Um excelente homem de negócios, ou, se quiserem, de marketing, travestido de entidade metafísica. Qual o problema? Nenhum. Mas todo mundo fica ultrajado pelo fato de Paulo Coelho ter ido pra Academia Brasileira de Letras, esquecendo-se que Ivo Pitangui, isso mesmo, o cirurgião plástico, é também um imortal.

Acho que há um problema conceitual aí. Fico lembrando uma comparação que ouvi outro dia, que dizia que os biólogos britânicos do século XIX ficaram chocados quando descobriram a existência do ornitorrinco. O tal do ornitorrinco desafiara todos os parâmetros estabelecidos, pois na biologia clássica dizia-se, lá em compêndios de caneta de pena, que os mamíferos dão de mamar aos seus bebezinhos e, em hipótese alguma, botam ovos. De jeito maneira! Pois não é que o tal do ornitorrinco fazia as duas coisas?! _Mas como pode?, diziam o biólogos. Ora, o problema não era do ornitorrinco em botar ovos, pois ele sempre fez isso, antes mesmo dos biólogos serem biólogos, ou antes mesmo de a biologia ser uma ciência, na verdade antes até da palavra ciência, ou talvez antes mesmo da própria palavra. O problema, pois, era o de nomenclatura. Um problema apenas técnico, de enquadramento.

Pois a celeuma toda em torno da tal da Academia Brasileira de Letras está talvez mal colocada. É apenas uma questão semântica, de nomenclatura, à rigor. Pitangui não tem problema, Paulo Coelho não tem problema, Zélia Gattai não tem problema, quem tem problema é a Academia Brasileira de Letras, que deveria se chamar apenas Academia Brasileira. Um pequeno ajuste resolveria a questão e pouparia debates e insultos e, de quebra, salvaria a própria honra da Academia. Ivo Pitangui seria um notável cirurgião plástico, Zélia Gattai uma notável esposa de um famoso escritor, José Sarney, em categoria encomendada, um notável coronel de moustache e, Paulo Coelho, um notável charlatão, ou, pra que se evitem agressões, um notável marqueteiro. E a Academia Brasileira de Letras, em vez de ser uma notável piada, seria apenas uma casa de notáveis.

Não é notável que não tenham feito isso até hoje?

posted by The guy behind a screen @ 6:54 PM |

  Thursday, May 01, 2003  

[ 200228497 ]
 

Puro talento

Fábio Danezi, agora em novo endereço, capturou todo o espírito paulistanto com seu perfeito "Pingo de Galinha". Já Fredinho Amaral está sublime, captando o que Hector Babenco não captou, em seu artigo A Arte Adulterada, sobre o filme Carandiru. Depois desses dois posts, hoje não escrevo mais nada.

posted by The guy behind a screen @ 11:10 AM |

  Wednesday, April 30, 2003  

[ 200222661 ]
 


Seu Jorge e Amarar, que jura não estar bêbado.

Seu Jorge e Nosso Macaquismo

Há um monte de lugares assim em Manhattan. Por fora, pão bolorento, por dentro, bela viola. Mais do que inverter o ditado, os prédios antigos, sem elevador e de escadaria imunda, escondem tesouros de bom gosto em seu interior.

E foi num desses lugares que tive o prazer de encontrar parte da turma do Cidade de Deus nesta segunda-feira. Substituíram as cochinhas e empadas por comida grega, a Antarctica por Stela Artois, os beijinhos no rosto por aperto de mão e montaram uma festinha no final da tarde, aquilo que nós, brasileiros, em bom português chamamos de “happy hour”. Mas no final, tudo acabou em samba.

Zé Galinha, um dos personagens do filme, é, pra minha novidade, o grande sambista Seu Jorge. De graça, deu um showzinho a parte pros gringos, que todo mundo acompanhou em batidas discretas de disritmado mocassim versus assoalho. No tamborim, Paulo Lins, que, como todo bom carioca, improvisa de músico quando a ocasião demanda. Durante 1 hora, ensaiaram uma performance e acabaram gravando um CD, ali mesmo, num espaçoso loft em Chelsea. Minutos depois podia-se ver Paulo Lins rindo à toa, encantado com sua performance. É a primeira vez que o autor do livro que deu origem ao filme vê seu hobby musical virar disco.

Antes, pra justificar o evento, Kátia Lund, co-diretora de Cidade de Deus, apresentou sua criação, dando show a parte e mostrando um curta que anda fazendo sucesso na Globo, que ela me contou ser agora minisérie por aí. Toda a brincadeira pra arrecadar fundos, arrancar dólar da matriz.

Seu Jorge, malandro carioca, caberia bem como relações públicas em qualquer grande empresa. Distribuia sorrisos e comentários, misturando num só parágrafo palavras em inglês, francês e português pra quem se aproximasse. Quando a coisa apertava e o olhar era de interrogação, não dispensava o uso das mãos e as mímicas faciais. E como resultado de tanta informalidade, no final da história todo mundo já se despedia com beijinhos no rosto, abraços apertados e um bye-bye final em forma de tapinhas nas costas.

Se tudo tivesse ocorrido no Brasil, provavelmente teria ido correr no Ibirapuera ou ficado no escritório até mais tarde. Mas como é em Nova York, ficamos encantados e comparecemos ao evento. Síndrome de macaquice tropical, que acha tudo lindo quando nossa obra é reconhecida aqui fora, sob a benção americana. Aí ela vira arte.

posted by The guy behind a screen @ 10:01 AM |

  Monday, April 28, 2003  

[ 200211225 ]
 



Michael Nyman e o sopro divino

Sexta-feira, fim de tarde. Início de primavera. Há novo humor em Manhattan. Dá pra se notar nas ruas, agora mais apinhada de gente. Aproveitei o sol tentador e nem precisei de desculpa pra sair mais cedo do escritório. Tudo só pra ficar flanando pela 5a Avenida, sem a mínima pressa. Parei e me detive em qualquer lugar que me interessasse. Folhei livros na Barnes & Nobles, chequei valises e cacarecos de viagem em uma loja de bolsas, experimentei cintos e acessórios na Armani. Também parei na vitrine da Tiffany, mas aqui não toquei em nada. Resvalei com os dedos sapatos da Keneth Cole no Rockfeller Center; flertei com a loja da Nike perto do Plaza Hotel, mas não entrei. Não comprei nada. Foi tudo pra “fazer hora”, já que tinha compromisso às 8:00, com Michael Nyman.

Nyman, pra quem não sabe, é o compositor inglês mais influente dos últimos 30 anos. Um revolucionário moderno, que segue a cartilha dos minimalistas. Junto com Philip Glass, seu equivalente em solo americano, forma a verdadeira “força da coalizão”, que fica melhor assim, substituindo Blair e Bush, trocando mísseis por fagotes.

A crítica gosta de comparar Nyman a Glass, que é um ídolo por aqui. Onde Glass toca, há uma multidão pronta pra assistir. Nyman já não é tão conhecido desse lado do Atlântico e faz mais sucesso em lugares exóticos como, digamos, São Paulo. Certa vez, há uns 10 anos atrás, fui assistir Nyman, em única apresentação, no teatro da Cultura Inglesa em Pinheiros. Um primor. Na época, foi reverenciado por toda crítica de Folha de São Paulo e turma do Caderno 2. Estava no auge. Junto com o diretor Peter Greenway, andava causando furor no mundo cinematográfico. Não se esqueçam que Nyman fez toda a trilha sonora dos filmes O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante; Prosperous´ book; Afogando em Números e mais alguns outros, como o bom O Piano, com Harvey Keitel e Holy Hunter no elenco. Ajudou também a catapultar a carreira do diretor francês Patrice Leconte, que produziu o sensível Mr. Hire, traduzido no Brasil como Um Homem Meio Esquisito. Tudo coisa do melhor nivel.

Agora Nyman anda por novos caminhos, checando novos sons e fazendo novas fusões. Antes do show, avisou que deixaria uma música ambiente, em estilo house, tocando como preliminar. Contou que não era nada por acaso. A música, um experimento que fez com um DJ inglês de um nome aí que não me lembro, é mais uma prova de que Nyman, junto com Glass, não são os primos elegantes da música eletrônica. São seus pais andróginos.

A história toda se deu no Ethical Cultural Society. O lugar, não tão conhecido, lembra uma desses teatros de cidade do interior no Brasil, antes de ser substituído por um teatro novo, em comum e repetido concreto aparente, quando a cidade começa a sofrer da “síndrome de metrópole”, uma doença frequente no interior do Estado de São Paulo. Mas aqui, sem os complexos de praxe, o velho é propositalmente mantido, e os bancos de madeira, em estilo religioso, davam o contraste que Jonathan Sheffer, o regente musical da Eos Orquestra, queria, pra apresentar Nyman ao público de Manhattan.

E então Nyman surgiu. Sua camisa branca com colarinho largo destacava-se embaixo de um despojado casaco, a meio caminho entre o blazer e o sobretudo. E os primeiros 25 minutos, onde Nyman mandou o bom e clássico Nyman, não decepcionaram. Fiquei sinceramente emocionado, em estado de torpor, com os olhos marejados e agradecendo a Deus por estar presenciando aquele momento. Tão impactante que não notei que depois disso passaram-se cinquenta minutos restantes sem grandes sobressaultos de performance, agora morna e despretensiosa. Àquela altura, porém, a noite já estava muito bem paga.

Ouvir Nyman necessariamente te remete a Philip Glass. É inevitável. Mas onde Glass parece estar sempre vendo o mundo em caos constante, pronto pra dar um último suspiro civilizatório, Nyman vê nascimento. Usa a mesma energia na qual Glass se inspira, mas de forma construtiva. Enquanto Glass solto todos os demônios na Terra, Nyman os recolhe um a um, dando lugar apenas a um suspiro divino. Há angústia constante em Glass, mas Nyman prefere ver tudo como uma grande laboratório em aperfeiçoamento. Não há mágoas em Nyman. E ouvindo-o naqueles bancos de madeira tive a impressão de ter escutado algo a mais, lá do lado das cordas, atrás dos violinos. Mas devem ter sido apenas os fagotes ao fundo.

Um pouquinho de Nyman, aqui.

posted by The guy behind a screen @ 10:29 AM |

  Sunday, April 27, 2003  

[ 200206652 ]
 



Liga pra mim, vai!

Fulano entra em desespero tentando encontrar sicrano. Sicrano quer ser encontrado e também encontrar fulano, mas só consegue correr de lá pra cá, abrindo e fechando portas, saindo e entrando de bares e restaurantes. Ambos tentam ligar nas casas respectivas. Ninguém, porém, se comunica, nem uma vez, através do telefone celular. Por quê? Hollywood ignora solenemente o celular, a não ser que ele seja co-ator, como em Matrix. O celular, se inserido na história, atrapalharia a trama hollywoodiana, que perderia a graça e seria resolvida com um simples telefonema. James Stewart que o diga. Se do alto de sua Janela Indiscreta tivesse de posse de seu Nokia, o filme acabaria na primeira cena. Às vezes a tecnologia cria novos problemas e é mais fácil simplesmente ignorá-la, como se fosse parte de um futuro distante. Alo Miramax, acorda e atende!

posted by The guy behind a screen @ 11:16 AM |

  Friday, April 25, 2003  

[ 200202352 ]
 



É de Chocolate

Tenho uma pergunta. Alguém aí sabe aonde foi criado o Haagen-Dazs? Falou Áustria? Errado. Ah, Alemanha? Errou de novo. Ah, nome esquisitinho assim, bom, então Hungria? No, no, no. O Haagen-Dazs, meus caros, foi inventado pelo Sr. Reuben Mattus, na década de 20, aqui mesmo, nos EUA. Sabe onde? Não, você não acertaria nem que fizesse aposta entre a família nos intervalos da novela. O Haagen-Dazs tem pele escura. Nasceu e cresceu no Bronx. Um legítimo novaiorquino. Depois disso, penduro as chuteiras. Estou chocado e desiludido com essa informação. É muita competência! E pensar que Saddan achou que podia com esses caras...

posted by The guy behind a screen @ 11:07 PM |

  Wednesday, April 23, 2003  

[ 200191665 ]
 

Lloyd Cole é commotion

Logo logo volto pro Brasil. Vou abandonar Nova York de vez e retornar à São Paulo. Enquanto isso não ocorre e a primavera se inicia, vou vivendo essa cidade, como a Corte Portuguesa às vésperas de Napoleão invadir Lisboa: vou pilhando tudo que posso. Foi com esse espírito que, essa noite, saí da ginástica lá no lado oeste de Manhattan e fui caminhando pro lado oposto, que a lógica e também a convenção diz ser o leste, em busca de entretenimento. Pelo caminho, olhava vez ou outro o relógio, mas passava maior tempo filmando com os olhos as casas, esses prediozinhos baixos em tom avermelhado, com suas escadas de incêndio em metal negro expostas esculturamente do lado de fora. Fazia aquele friozinho de rabo de inverno, que não causa frio, só traz melancolia.

Logo logo cheguei ao local. Estacionei o meu corpo direto dentro do Joe´s Pub, sem pagar manobrista ou guardador noturno, nesta vida sem carro novaiorquina. Fui lá, no tal do Pub, pra ver um dos ídolos da minha juventude cantar. Nunca fui muito de shows pop. Sempre me pareceu um evento mais pra sacanagem que fazíamos antes e depois do show do que o próprio show em si, que me soava quase inalcançável, perdido num palco lá distante, atrás do gol, colado na arquibancada. Mas quando você vai num espaço do tamanho daquelas garagens das casas paulistanas no Morumbi, daquelas com quatro carros e uma moto, e um cara toca pra você, a 1,5 metro de distância, a coisa fica bacana.

A garçonete trouxe o pedido: um panino de focaccia quentinho, cortado em cubinhos e recheado com prociuto e brie. Não esqueceu do vinho tinto e também da notinha, que costuma vir na decoração. E então, Lloyd Cole entrou no palco. Já não é mais o rapaz de outrora. É um senhor agora, de cabelos grisalhos e quilos a mais que a vida acomodada cuidou de esculpir. Mas continua a voz mais aveludada do pop, sendo o mais melodioso dos melódicos e o mais carismático dos charmosos.

Tocou por 1 hora. Fez brincadeiras, tomou whisky. Parecia que teria algumas horas à sua disposição. Vez ou outra respondia comentários, como se estivesse na sala de jogos de uma residência. No final, fez um biz, depois de muitos pedidos, e se retirou em tom carinhoso mas comedido.

Lloyd Cole era Lloyd Cole and Commotions quando eu fantasiava com o mundo em noites silenciosas em Piracicaba. Hoje, é só Lloyd Cole. E eu também já não sonho mais com o mundo. Mas assim, sozinho, com meu copo de vinho de companhia, Nova York, minha querida novaiorque, me fez lembrar de tantas noites na minha distante Piracicaba. Lloyd Cole envelheceu. Mas quase nada mudou. Todos nós fomos com ele.

posted by The guy behind a screen @ 9:51 PM |

  Tuesday, April 22, 2003  

[ 200183229 ]
 



Cohibas de mi Vida

Diz a lenda urbana que certa vez, numa data qualquer aí do passado, o Canal da Mancha fechou para o tráfego de navios que faz o vai-e-vem Europa-Grã Bretanha. O motivo era o fog que foi crescendo durante o dia e chegou ao ápice no ínício da noite. O Times de Londres, e aí entra propriamente a suposta lenda, teria estampado na manhã seguinte: “Canal da Mancha fechado. O continente está isolado”.

É famoso e conhecido o esnobismo britânico e a idéia que necessariamente o acompanha, ou seja, a de se sentirem, eles, os ingleses, o centro do universo. Mas essa não é uma prerrogativa inglesa. Acontece com qualquer um que esteja por cima. E os EUA, o centro do universo da vez, não poderia fugir à regra. Mas às vezes é possível sentir, daqui, o paradoxal sentimento de se estar no centro da Terra e distante do mundo. Nova York, por mais cosmopolita que seja, continua sendo uma cidade americana. É a menos americana de todas as cidades, a mais dedetizada e vacinada contra a cultura americana, mas, ainda assim, é americana. Daí decorrem muitas coisas e uma delas é a de que se você quiser saber de um assunto que não tenha relação direta com os gringos, que não afete o bolso ou a moral protestante deles, é preciso ler os jornais estrangeiros, qualquer um deles. Não falo da notícia, obviamente, pois esta é coberta até nos confins do Arkansas. Falo do impacto e significado da notícia.

Por exemplo. No vôo da volta do Brasil pra cá ontem à noite, descobri esse incidente todo com os fuzilados do Fidel Castro. Na verdade, o incidente em si eu já tinha conhecimento. Saiu em todo lugar. O que não sabia ainda, e isso sim que nunca estaria estampado por aqui, é que Saramago, o Deus português do barroco moderno, deu uma declaração simbólica, bombástica e emocionada, sobre sua perda de fé no regime cubano. Fico contente, exultante mesmo, em saber que Saramago, o José, finalmente atingiu a maioridade política e descobriu que Cuba é um regime ditatorial. Saramago, porém, tem desculpas. Tudo parece maturar lentamente com o prêmio Nobel. Certa vez li uma entrevista em que Saramago declarou que começou a escrever muito tarde na vida, depois dos 40. O portuga, como os vinhos do Porto e o Queijo da Serra, decididamente, só melhora com o tempo.

Minha esperança agora é que Saramago tenha sido acometido por uma espécie de vírus ao estilo SARS e que em suas palestras pelo mundo o gajo contagie a todos do alto de seu palestrar. E seu espirro de consciência ataque com precisão balística intelectuais da língua portuguesa. Fico imaginando as saborosas consequências. Chico Buarque, acometido pela doença, entraria então em estado de transe criativo e lançaria nova canção, cheia de metáforas e eufismos, agora contra o regime cubano. Nada seria mencionado no NY Times, que ignoraria solenemente a importância do fato. Mas a canção faria estréia triunfante, domingo à noite, no Fantástico. Teria até nome pronto: “Os Cohibas que não fumei”. O cheiro do charuto apagado seria sentido em todo mercosul, em choro raivoso da esquerda sul-americana. Os EUA aparentemente não ouviriam nada, dando de ombros para o fato. Mas tudo estaria anotado no caderninho. No ano seguinte, com passagem de primeira classe, Chico seria chamado à América. O motivo? Ir buscar o seu Grammy para melhor canção sul-americana.

posted by The guy behind a screen @ 11:06 AM |

  Wednesday, April 09, 2003  

[ 200125097 ]
 

Zapping

Alguém de vocês se lembra quando tínhamos que levantar da poltrona pra mudar o canal de TV? Quando cada salto da Globo pro SBT significava também um salto da cadeira? Quando a mudança de um programa pra outro exigia não somente um movimento mecânico dos dedos, mas um exercício de comprometimento e negação simultânea com os canais da TV?

Pois tudo mudou com o controle remoto. Não, não foi só a TV, nossa vida mudou.

Me pego horas a fio numa compulsiva repetição de botões, com olhos estalados de desatenção. Passo por tudo. Não vejo nada. Vivemos trancafiados numa infinidade de opções. Tudo culpa do controle remoto. Um dia o estudarão e dirão que ele foi o começo do fim. Pois o controle remoto não só permitiu a comodidade. Ele instaurou o descompromisso. Havia no pular da cadeira o ato do homem decidido. O homem ACC (antes do controle remoto) era um homem mais pleno do que o homem PCC (pós controle remoto). Não era comum, entre o ACC, a angústia que o gatilho da liberdade remota traz consigo. Tínhamos o bom e o mal, os comunistas e os não-comunistas, as ideologias e seus compartimentos estanques. E éramos escravos de nossas poltronas e de nossa inércia. Mas uma mudança implicava decisão pensada, desejo refletido. Mudávamos da Globo pro SBT. Passávamos da Record pra Bandeirantes. E tudo levava tempo e engajamento.

E então veio o controle remoto, e o muro de Berlin em nosso entretenimento se desmoronou. Agora podemos transpor fronteiras sem escalar obstáculos. Não é mais preciso compromisso de escolhas. E os laços de fidelidade também diminiuram. Nossa ansiedade então atingiu as alturas no zapear da TV. O esforço agora é inverso. Só muita maturidade te deixa mais de um minuto num mesmo canal, atento ao mesmo programa. O que também explica porque os homens, mais que as mulheres, zapeiam sem fim nos canais da TV. Estamos todos perdidos, procurando o cálice sagrado em meio a uma infinidade de escolhas. É a ansiedade e angústia, ali, ao alcance dos nossos dedos.

A lei áurea do controle remoto nos condenou à descompromissada liberdade de escolhas, jogando-nos na sarjeta dessa vida abertamente democrática. Tudo a disposição imediata. O controle remoto trouxe a comodidade. Mas o preço foi o descomprometimento. Com a dinastia do controle remoto a avenida então estava pronta pros canais a cabo e as TVs 24 horas. A notícia se agilizou, mas entramos na raia do fungível. E a zapearmos e sermos zapeados. “Zapeamos” a TV, mas também a internet, zapeamos pelas vitrines e pelos relacionamentos. Zapeamos ao comer desatentos. Zapeamos pelos nossos celulares e pelas nossas amizades.

Há quem veja nisso uma bobagem, uma estupidez anti-tecnólogica. Pessoalmente acho que o controle remoto continua o marco civilizatório. Nem mesmo Bush conseguirá trazer de volta a simplicidade, o nosso curto leque de escolhas entre o certo e o errado. Estamos todos condenados a angústia da informação no atacado.

posted by The guy behind a screen @ 11:15 PM |

  Sunday, April 06, 2003  

[ 200106719 ]
 



Yes, nós temos Haagen Dazs

Uma onda de preguiça e falta de criatividade me invadiu nos últimos dias e desapareci desse blog. Acho que é a ressaca da guerra. No Direito, nas operações de “Fusões e Aquisições”, que tem o nome chique de “M & A” (mergers & acquisitions), é o chamado pós-closing, ou seja, aqueles dias que se seguem ao dia de fechamento da operação de compra de uma empresa. O sujeito sente um certo torpor pelo serviço cumprido e dá uma relaxada total e fica só brincando na internet. Se quiserem o paralelo sexual, também serve e é ainda mais ilustrativo. A verdade, porém, é que depois de tanta energia desperdiçada em discussão sobre essa guerra, parece que houve um desencanto geral. Ninguém quer fazer mais nada ou falar sobre nada. Só ficar bestamente mudando de canal a esmo e tomando Haagen Dazs de doce de leite na cama. Mais nada.

Guinle, the man

O New York Times, dia sim dia não, sai lá com uma notícia sobre o Brasil. Ontem, tascou um portrait de Jorginho Guinle. Não contei, mas o número de ícones citados por Guinle e pelo jornalista como sendo parte da esfera de amizade de Guinle parece ter saído de uma enciclopédia com o título “As Mais Importantes Pessoas do Séc. XX”. Ninguém escapou ao charme de Guinle. E ele foi o maior e talvez único playboy brasileiro. Viveu, como todos playboys vivem, numa vida desregrada de prazeres. Mas eram outros tempos e desregramento na época era somente o número de garrafas de champagne. Quebrou, claro. Não fazia mais nada na vida a não ser cortejar mulheres e homens-lenda. Era um dândi que nunca mais se verá, porque não se forja mais um tipo desse em nossa época, nem há mais tanta gente importante pra ser paparicada. Hoje, só existem famosos, um conceito que espelha bem a nossa época. E Guinle, numa inversão da lei evolucionária, foi substituído por João Paulo Diniz, Luciano Huck e outros fanfarrões que usam colar de couro no pescoço. Guinle cortejava mulheres e cantava-lhes melodias no ouvido. Hoje, há CDs com som digital dentro dos carros blindados. E também não é necessário dizer mais nada.

posted by The guy behind a screen @ 8:28 PM |

  Wednesday, April 02, 2003  

[ 200088339 ]
 



Ajustando o Compasso

Em 1976, dois anos antes da Copa de 78 na Argentina, o São Paulo Futebol Clube comprou um jogador pra resolver seus problemas no ataque. Contratado junto ao Penãrol do Uruguai, esse jogador prometia ser o novo Pedro Rocha. Pra desespero da diretoria e revolta da torcida, o tal jogador não fazia nenhum gol lá na frente. Até que Rubens Minelli, acho que foi ele, resolveu colocá-lo na zaga, lá atras na defesa. Daí pra frente o que se viu, por mais de uma década, foi um dos maiores zagueiros que os gramados brasileiros presenciaram. Arriscaria dizer que um dos maiores do mundo. Para quem não conhece, esse sujeito era Dario Alfonso Pereira, ou simplesmente, Dario Pereira. Mais tarde, já aposentado, resolveu ser treinador, mas seu talento nesta posição era como quando quis ser centroavante. Infelizmente.

Casos como esse ocorrem aos montes. A toda hora, em todo lugar. Talentos enormes são desperdiçados ou passam anos no casulo, em promessa jamais cumprida, por simplesmente não serem alocados na posição certa. Talvez noventa por cento dos problemas do mundo estariam resolvidos se cada um de nós pudesse saber ao certo pra onde nosso coração e nosso talento pendem na balança. Penso nisso e me vem a imagem de Bush, o filho, em longas e intermináveis cavalgadas nas planícies do Texas. Depois, voltando pra casa, ao final da tarde, legitimamente cansado, é presenteado na varanda por uma boa cerveja gelada trazida por Laura. Em movimentos lentos e decididos, esticaria suas pernas curtas, ajustando a cadeira no terraço para que tudo ficasse em harmonia e os pés exautos apoiassem no parapeito de madeira. De mãos dadas com a esposa, em discreto balançar, diria, suspirando, após o primeiro e dedicado gole: “What a day today honey...”

posted by The guy behind a screen @ 4:15 PM |

  Sunday, March 30, 2003  

[ 200067379 ]
 



Devagar devagarinho

Devagar, devagarinho, a população americana vai se frustando com as inicias expecativas sobre a propalada rapidez dessa guerra. Daí pra se colocar contra é um pulinho. A imprensa, como não é boba nem nada, começa então a reportar problemas a frente. A CNN, por exemplo, pouco a pouco e discretamente, insere gente contra a Administração Bush na sua telinha. Havia uma real impressão, criada pelos « gênios » da Administração atual, de que essa guerra duraria apenas algumas semanas. Já estão falando em meses agora e querendo levar mais tropas pra região.

Na sexta-feira, Nicholas Kristof escreveu um artigo preocupante de como o mundo está vendo esse conflito. Pra nós, não há nada de novo. Mas para os americanos é preciso contar o bê-á-bá.

Na mesma sexta-feira, Paul Krugman, que é o maior crítico da Administração Bush na mídia escrita, desceu a lenha em Dick Cheney, que é conhecido de ambos os lados, Democratas e Republicanos, como o grande cérebro da Administração Bush. Num governo descerebrado, Cheney seria o grande visionário e estrategista. Krugman faz grandes acusações a Cheney, inclusive e sobretudo, sobre sua renomada visão estadista.

Ficando ainda na sexta, há um artigo acusando a Administração Bush de estar escondendo informações relevantes e conferindo superpoderes fiscalizadores a Cheney.

Todos os artigos foram pubicados nas seções de Opinião e Editoriais do New York Times que, finalmente, parece ter acordado de seu sono governista.

P.S. : as melhores cenas da guerra, porém, continuam com Bush. Essa semana, ele deu uma entrevista coletiva com Blair. Foi um constrangimento geral para o país inteiro. Bush, junto com Blair, é como um garoto de ginásio na frente do reitor da Universidade. Só faltou a camiseta. Vale a pena ver aqui.

posted by The guy behind a screen @ 5:52 AM |

  Saturday, March 29, 2003  

[ 200066192 ]
 


Manhattan, vista da Williansburg Bridge

Trovoada, Ressaca e Tabaco

Semana passada choveu em Nova York. Antes, porém, ouvimos trovões que precedem as tempestades. O barulho, que todos conhecemos desde os 3 anos de idade, teve outras repercussões por aqui. Por alguns segundos, garanto, todo mundo que estava na rua teve um frio na espinha. Depois de September 11th e Bush no poder, um trovão não é mais um simples fenômeno da natureza.

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Antes de ontem, acordei com o barulho de helicópteros sobre minha cabeça. Pensei: “iiii, deu caca”. Ligo a tal da NY1, a televisão local daqui e vejo lá que tinham fechado uma das pontes que dão acesso a Manhattan, a Williansburg Bridge, porque 2 suspeitos tinham se pendurado na correias da ponte. Vinte e quatro horas depois, em discreta e consternada notinha, disseram que os tais suspeitos eram apenas bêbados, que tinham saído de uma baladinha aqui no bairro, o East Village, e resolveram ver Nova York de uma melhor vista. Mais uma vez, depois de September 11th e Bush, precisamos ser mais consequêntes até quando bêbados.

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Amanhã é o último dia para todos os fumantes de Nova York aproveitarem a noitada e se entupirem de cigarro. A partir de segunda-feira, cigarro é o segundo maior crime na cidade, perdendo só para explosões de prédios. Não será permitido fumar em nenhum dos mais de 7 mil bares e restaurantes de Manhattan. Pessoalmente, quero que os fumantes se danem. Mas considerando o pacote inteiro, fico com pena dos dependentes. Imaginem essas intermináveis discussões sobre a guerra que se espalharam pela cidade e esse povo todo com a mão esquerda do copo órfã da mão direita do cigarro? Pobrezinhos. Bush deveria fazer uma intervenção no governo municipal e abrir uma exceção para o período de guerra. Mas aí há o grande risco da exceção acabar virando regra...

posted by The guy behind a screen @ 12:04 PM |

  Thursday, March 27, 2003  

[ 200058804 ]
 



Weapons of Mass Destruction

Há uma frase que emplacou na sociedade americana. É um recurso simples. Não exige sofistificação de raciocínio, não exige prova em contrário, pode ser recitada por qualquer criança e expelida em qualquer circunstância, cortando o caminho que exigiria argumentação e retórica. A frase, colocada estrategicamente na retaguarda do pressuposto argumentativo e na justificação do resultado, está na manga de qualquer um, pronta pra ser utilizada, entre um e outro drink no bar. Na verdade nem é sequer uma frase, é uma combinação de três palavras: “weapons of mass destruction”.

Não me venha dizer que Bush é arrogante, louco, autoritário, que despreza a comunidade internacional, que ignora apelos, tratados, requisições ou diplomocia. Pois se Saddan tiver “weapons of mass destruction”, tudo está perdoado, justificado e validado. Virou então moda pela cidade, entre os pró-Bushinianos, vomitar a frase nonsense sobre todo e qualquer argumento, não importa qual, e justificar, como que por magia, a insanidade disso tudo.

No Brasil, mais precisamente em São Paulo, havia um slogan semelhante, um recurso que se usava pra evitar argumentos cansativos e desnecessários e, como aqui, jogava o debate na sarjeta civilizatória: “rouba mas faz”.

No fundo é sempre a mesma coisa: contra a ignorância, não há argumento que se sustente.

posted by The guy behind a screen @ 10:05 PM |

segredos da nossa
Língua Portuguesa
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